Atualizado em 11.04.2020
O texto abaixo já estava sendo escrito há um tempo, mas só ontem que consegui ajeitá-lo para colocar aqui no blog. Ainda não tinha começado a divulgação dele por ainda estarmos divulgando o Podcast Revelando-Ser. Mas, depois do Marcelo Adnet ter dado uma entrevista relatando que foi abusado sexualmente na infância, e surgirem algumas reações negativas por pessoas nas redes sociais, tive vontade de compartilhar logo.
Ao Marcelo Adnet:
Muito obrigado pela coragem de se expor e correr esse risco. Sabemos, por tudo que estamos vivendo no nosso projeto, o quanto isso não é simples. Esse tema ser tocado por uma pessoa como você é uma possibilidade de ir desconstruindo esse muro do silêncio que existe acerca dessa temática. Já temos preparado uma fala específica do projeto sobre como também é difícil para os homens falarem dos seus abusos sexuais. Seu relato só nos motivou ainda mais de partilhar isso com todas as pessoas.
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Falar pode mudar tudo... E o Muro do Silêncio?
Eu estava novamente assistindo o
clipe feito pelo Carlinhos Brown no ano passado, na época do setembro amarelo.
Como atendo a muitas pessoas que estão com ideações suicidas, aquele clipe mexe
bastante comigo. Porém, continuei sentindo um incômodo a partir dele, tal como
eu escrevi no último post https://portaisdeuniao.blogspot.com/2019/10/falar-pode-mudar-tudo-um-complemento.html.
Continuarei com a intenção que eu
tive ainda no ano passado, de trazer a mesma reflexão do post anterior para a
temática central do projeto Revelando-Ser - https://www.revelandoser.org/
Faço esse post agora também
porque estamos chegando com algumas novidades nesse primeiro semestre com a
intenção de retomar algumas atividades do referido projeto, iniciar outras e,
ao acreditar que vamos conseguir chegar a um número maior de pessoas, sinto que
essa reflexão aqui se faz necessária.
Acho muito oportuno relacionar as
duas temáticas, suicídio e abuso sexual, neste post. Não somente porque acho
que o clipe também descreve como as pessoas adultas que foram abusadas
sexualmente na infância e adolescência se sentem:
“Um furacão silencioso
Um redemoinho mental
Uma tormenta diária
Uma dor abissal”
Mas, sim, porque é possível
perceber como estas duas temáticas se entrelaçam de um jeito profundo e
perturbador em muitas pessoas. Venho atendendo no meu consultório várias destas
pessoas adultas e o tema do suicídio é recorrente em muitas delas. Algumas,
inclusive, têm no seu histórico tentativas concretas de tirar a própria vida em
momentos anteriores.
Lembro agora que em setembro do
ano passado conversei com uma psicóloga de outro estado que trabalhava muito
com a temática do suicídio. Conversamos sobre como é difícil trazer esse
assunto para se conversar com profissionais e a sociedade de modo geral. Falei
para ela que eu sentia a mesma dificuldade em querer trazer mais sobre o abuso
sexual e ela me trouxe que, de 10 mulheres que ela atendia com ideações
suicidas, pelos menos umas 07 traziam algum tipo de abuso sexual na sua
história. Confesso que eu não fiquei muito surpreso. No entanto, ao mesmo
tempo, fiquei refletindo sobre o fato de o tema do suicídio, apesar de todas as
dificuldades, ainda está tendo mais visibilidade atualmente: seja na academia,
através de produções, pós graduações e cursos específicos; seja na criação institutos e serviços, tais
como o CVV; ou ainda na criação de uma agenda política, tal como o setembro
amarelo (mesmo que eu tenha alguma críticas em relação a este momento).
Quando eu penso na temática das
pessoas adultas que foram abusadas sexualmente não encontro essa visibilidade
citada acima.
Essa conversa com a profissional
me remeteu a criar uma metáfora:
me pareceu, por um instante, que estamos
podendo falar mais claramente sobre o fato de as pessoas estarem, por exemplo,
com uma febre. Mas a febre é um desdobramento de alguma outra coisa que está
acontecendo dentro do organismo destas pessoas. Então precisamos também
conversar sobre as possíveis causas dessa febre para se pensar em como lidar melhor
com a febre em si.
É importante deixar claro, caso
não tenha ficado ainda, que não se trata de “como é ruim estarmos dando
visibilidade ao suicídio”. Mas, sim, de “vamos nos aprofundar neste tema e,
talvez, trazer à tona outros conteúdos que também são importantes e que parecem
ser ainda mais tabus dentro da sociedade”.
E aí vem a reflexão sobre o
clipe. Ao falar sobre o suicídio eu achei necessário complementar que nem todas
as pessoas estão preparadas e prontas para ouvirem um sofrimento que é
complexo, delicado, profundo, etc. Quando se trata do abuso sexual também é
possível fazer o mesmo questionamento. Muitas pessoas adultas, ao tentarem sair
dos seus silêncios para falar dos abusos sexuais que passaram na sua infância e
adolescência, podem ter como respostas dos seus interlocutores várias frases e
posturas que estão longe de ajudar a minimizar o sofrimento daquelas pessoas
abusadas.
“Por que você não falou na
época?”
“Você tem certeza que foi assim
que aconteceu?”
“Você não deve ter falado porque
gostava!”
“Para que falar disso agora? Já
faz tanto tempo...”
“Agora é fácil: falar de alguém
que já morreu. Ele (a) não pode se defender!”
“Se você falar isso agora, muita
gente da família vai sofrer. É melhor não falar pra ninguém”
Eu teria mais exemplos para
colocar. A partir deles dá pra ver como a situação cantada no clipe não está
disponível para muitas pessoas que ouvem os relatos dos abusos sexuais:
“Eu te entendo, me coloco em
seu lugar
Eu te vejo e posso te escutar
É difícil, e pra quem não é?
Mas te garanto, é pior calar”
Não quero dizer com tudo isso que
as pessoas que foram abusadas sexualmente têm de permanecer nos seus silêncios.
Só atento para o fato de que, dentro dessa temática, não basta apenas convidar
as pessoas abusadas para falar para qualquer pessoa. Temos que também ter em
mente que muitos dos ouvintes poderão ter comportamentos que não facilitarão
aquela abertura e as pessoas podem se sentir pior do que antes de tentarem romper
o silêncio. Porém, isso não significa que o silêncio tem que ser a única saída
para aquela demanda. Buscar ajuda profissional é um movimento importante na
construção de outro desfecho para esse silêncio.
Infelizmente não temos um serviço
como o CVV em relação ao suicídio, onde os profissionais tenham todo um aprofundamento
na temática para poderem ter um olhar mais amplo e profundo sobre como lidar
com as pessoas adultas que foram abusadas sexualmente. Mas, ainda, assim ter um
momento de escuta e acolhimento com um profissional de confiança pode
significar um início da saída dessa prisão.
Espero que possamos criar, a
partir das nossas reflexões, um espaço social mais acolhedor, com menos
julgamentos, para que as pessoas possam minimizar os impactos gerados pelos
seus abusos sexuais.
Esse tema é muito recorrente nos atendimentos que faço! Acho muito importante esse lugar de abertura para se expressar a partir de uma experiência tão difícil e estigmatizada ainda!
ResponderExcluirTenho clientes que com o decorrer da psicoterapia descobriram que sofreram abusos sexuais e não tinham essa compreensão, sentam-se estranhos e culpados mas não entendiam bem porque.
Atendo uma pessoa que sofreu abusos frequentemente na infância e quando a mãe descobriu ela levou uma surra por não ter contado, e essa mãe tb já havia sido abusada... Fiquei imaginando o quanto deve ter sido difícil para essa mãe entrar em contato com a própria experiência através da filha, o quanto essa filha sofre, quantos e quais sentimentos perpassaram por ali...muito complicado nesse caso para minha cliente quando a própria mãe, que passou por isso tb, diz que a filha precisa esquecer....
é muito doloroso ver o quanto existem crenças do tipo, “homem é assim mesmo... não adianta “
Essa cliente acreditava ser virgem e sofreu um baque quando descobriu que não era mais, foi um momento muito difícil para ela!
O suicidio é um pensamento constante na vida dela.
Iniciativas como o projeto Revelando-Ser são muito importantes para mitigar a necessidade consciente ou inconsciente de compartilhar experiências tão difíceis que aprisionam essas pessoas.
Pois é Márcia.
ExcluirEste tema é bem complexo, profundo e delicado.
Toca em feridas difíceis e, tal como você falou, muitas vezes perpassam a vivência de várias gerações de uma mesma família.
Não é simples falar sobre isso. Por isso estamos com essa proposta de desconstruir esse muro do silêncio, mas de uma maneira cuidadosa.
Muito bom ter o seu retorno.
Estamos por aqui para trocarmos mais e aprendermos com as nossas experiências.
Abraços