A dimensão do TEMPO tem aparecido de forma muito significativa ao se trabalhar com a temática das pessoas adultas que foram abusadas sexualmente quando eram crianças ou adolescentes:
1 - A pessoa tinha quantos anos quando aconteceu o abuso?
2 - O abuso aconteceu uma vez apenas ou se estendeu por mais TEMPO? Em alguns casos a pessoa foi abusada por anos.
3 - Depois de tanto TEMPO, é possível resgatar o que, de fato, aconteceu?
4 - Por quanto TEMPO a pessoa ficou em silêncio com aquele segredo guardado só para si?
5 - Quanto TEMPO leva para uma pessoa conseguir falar sobre isso na terapia?
6 - Quanto TEMPO pode durar o processo de compreender o impacto do abuso sexual na minha vida?
7 - Depois que se reconhece o abuso, quanto TEMPO demora para se ficar em paz com isso?
7 - Depois que se reconhece o abuso, quanto TEMPO demora para se ficar em paz com isso?
Ainda se teriam mais perguntas.
Como escrevi no texto anterior - ao convidar as pessoas para conhecerem o projeto - compreender o abuso sexual não é algo simples. Compreender os efeitos, muitas vezes contraditórios, em cada pessoa, não é simples. Muitas vezes é preciso de TEMPO para se adentrar neste terreno incerto e muito obscuro por vezes.
Porém, o assunto em si mexe muito com os afetos de todas as pessoas que escutam falar sobre ele. Difícil não se ter uma opinião ao ouvir relatos de abusos sexuais, muitos deles praticados dentro da própria família da vítima. Ao realizar rodas de conversa, palestras, encontros sobre o tema no projeto Revelando-Ser, não é raro encontrar pessoas que tentam dizer de maneira mais rápida o que aconteceu na vida de cada um, como as pessoas abusadas deveriam se sentir, ou até o que elas deveriam fazer com as situações que passaram.
Toda vez que escuto essas intervenções, lembro da dimensão do TEMPO novamente. Muitas vezes, nem a própria pessoa que vivenciou o abuso consegue entender o que aconteceu com ela. Muitas vezes a própria pessoa tem uma perspectiva racional sobre quem ela é e o que deveria fazer. No entanto, ainda assim, ela não consegue realizar essas mudanças de perspectivas de maneira tão rápida. "Sinto que existe um profundo descompasso entre o que a minha cabeça pode produzir e o quanto o meu coração consegue acompanhar". Muitas vezes essa pessoa passou muito TEMPO sentindo várias coisas, de maneira muito profunda e, ao ouvir outra pessoa - que não sentiu o que ela sentiu e não viveu o que ela viveu - falar de maneira mais simples sobre quem ela é ou deveria ser, a pessoa que foi abusada pode se sentir ainda mais isolada e distante de si.
Ela, mais do que ninguém, queria “acabar” com aquele sofrimento.
Ela, mais do que ninguém, queria lidar com o seu passado de maneira simples e rápida.
Ela, mais do que ninguém, gostaria de saber o que fazer e fazer logo, não perdendo nem mais um dia da sua vida pensando e remoendo essas experiências tão indigestas.
Mas, ainda assim, ela não tem conseguido e isso precisa ser compreendido, ou pelo menos aceito, pelas demais pessoas.
Ela, mais do que ninguém, gostaria de saber o que fazer e fazer logo, não perdendo nem mais um dia da sua vida pensando e remoendo essas experiências tão indigestas.
Mas, ainda assim, ela não tem conseguido e isso precisa ser compreendido, ou pelo menos aceito, pelas demais pessoas.
Quando queremos ajudar as pessoas que passaram por esse sofrimento, ou algum outro sofrimento muito profundo, talvez fosse importante lembrar que alguns assuntos quase que exigem uma delicadeza para serem tocados de maneira construtiva. Dependendo da reação de quem ouve um relato sobre um abuso sexual, a pessoa, que em muitos casos precisou de muita coragem para falar sobre isso, pode se sentir mais livre ou ainda mais pesada e desesperançosa.


Infelizmente a plantinha não sobreviveu com o TEMPO, mesmo que, na medida do meu possível, tenha sido retirada com muito cuidado e estando num terreno muito melhor e sendo melhor cuidada posteriormente. Isso me remete ao TEMPO novamente, pois, talvez, eu e outras pessoas que frequentam o Recanto levamos muito TEMPO para tentar ajuda-la no lugar em que ela estava.
Poderia falar mais, mas também lembro que o TEMPO das redes sociais não permite textos tão longos.

O Revelando-Ser tenta trazer essas reflexões para que possamos nos disponibilizar a cuidarmos mais de si e dos outros.
Vamos dedicar um pouco mais de TEMPO para isso?