quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Falar pode mudar tudo - um complemento necessário...



Só nesta semana acessei esse clipe lindo, “Vozes do Silêncio”, em que o Carlinhos Brown, em conjunto com o Centro de Valorização da Vida (CVV),  contribuiu de maneira muito forte e bonita para as reflexões que foram realizadas sobre o suicídio no mês do setembro amarelo.

Fiquei muito emocionado com o vídeo, pensando nos vários silêncios que já vivenciei na minha vida e o quanto foi importante poder encontrar espaço para falar dos mesmos. Vibrei muito com a força com que a mensagem é passada e que esta tenha sido criada de uma forma em que muitas pessoas possam ter acesso e possam ser encorajadas e ajudadas.

Porém, no meio de toda a minha empolgação, me veio uma inquietação e por isso senti a necessidade de acrescentar uma reflexão. Sinto que, devido ao fato do Brown ter feito o clipe em conjunto com o CVV, o vídeo tem um sentido bem propositivo e oferece um direcionamento claro para os silêncios das pessoas que estão nos seus inúmeros processos de sofrimentos, com ideações suicidas, precisando falar e serem escutadas e acolhidas na sua dor.

E qual é a minha inquietação? Falar pode mudar tudo! Concordo plenamente.

No entanto, falar para quem?

Se estamos falando de suicídio, endosso o convite do clipe para se falar com o CVV (https://www.cvv.org.br/). Já realizei um trabalho em conjunto com voluntários da instituição no espaço em que atendo e sinto que as pessoas podem encontrar um “lugar” muito importante para terem um momento dessa escuta e acolhimento. Eles oferecem várias possibilidades gratuitas de comunicação com os voluntários: desde chat na própria internet, e-mails, ligações telefônicas através do 188, até encontros presenciais nos vários postos de atendimentos em várias cidades do país.

Porém, senti falta no clipe de se ter um olhar mais atento para essa pessoa que vai escutar quando alguém decide romper o seu silêncio. Infelizmente, vivemos um momento social onde não são tantas pessoas assim que estão disponíveis, receptivas ou sequer preparadas para ouvir outras pessoas falando de sofrimentos e dores abissais. Não é raro chegar no consultório muitos clientes que falam do quanto foram julgados ao falarem de depressão, sofrimento, vontade de se matar, etc. Muitos podem receber como resposta várias frases e posturas por parte dos seus ouvintes que têm o potencial de, além de não produzir o alívio tão bem demonstrado no clipe, aumentar ainda mais a solidão, o isolamento e toda a confusão mental e emocional que também é relatado no clipe.


“Como assim, se matar? Você tem tudo!”;

“Isso é falta de Deus no coração!”;

“Tem gente com uma vida muito pior que a sua e estão aí vivendo...”;

“Você deveria pensar na sua família!”;

"Você é jovem. Tem muita coisa ainda pra viver!"

 “Seja forte! Quem pensa nisso tem a mente fraca”.

E tantas outras falas que eu poderia reproduzir com efeitos tão devastadores quanto.

A partir destes relatos que penso que é de extrema importância que possamos, tal como o clipe fez, mostrar que existem possibilidades de ajuda para as pessoas que estão nos seus silêncios. Contudo, podemos ir além, refletindo também sobre o quanto esses silêncios podem ser um reflexo da dificuldade em se encontrar uma escuta mais disponível e empática nos lares, escolas, universidades, grupos de amigos, ambientes de trabalhos, igrejas, etc. Pois, a depender da reação de quem está escutando a pessoa que fala sobre suicídio, falar pode realmente mudar tudo... mas não para melhor.

Eu entendo que, talvez, a solução não seja querer que todo mundo faça um curso de psicologia ou ainda o curso preparatório gratuito que o CVV oferece para novos voluntários. Contudo, é importante que possamos pensar sobre como estamos lidando com os nossos familiares, pessoas próximas, amigos, colegas de trabalho, se perguntando o quanto estamos sendo mais ou menos atentos e acolhedores para o sofrimento daqueles com quem nos importamos.

Não quero dizer com tudo isso, de maneira simplista, que a culpa ou responsabilidade de uma pessoa cometer o suicídio é de uma outra pessoa que era da sua convivência e que não se importou com o que estava se passando com ela. Mas podemos procurar informações, compreender um pouco mais sobre as várias dimensões que podem estar envolvidas na questão do suicídio, bem como também cuidar da nossa saúde mental. Desta forma – caso alguma situação dessa esteja acontecendo perto de nós – possamos ser agentes que ajudam, de maneira cuidadosa, para que as pessoas possam sair dos seus silêncios e encontrem saídas para os seus dilemas, ao invés de reforçarmos ainda mais esse silêncio com nossas posturas e julgamentos .

Ao ver o clipe uma dezena de vezes por ter gostado muito dele, comecei a visualizar e gostar da ideia de outro clipe complementar ao primeiro, onde a hashtag seria #saberescutarpodemudartudo.

Sinto que nessa condição de ser possível romper o silêncio – mas também de ser escutado de maneira empática, respeitosa e cuidadosa – podemos criar uma base mais sólida que ajude a diminuir a incidência do suicídio na nossa sociedade.