Depoimentos sobre a temática do abuso sexual



Eu criei esse espaço aqui no blog para compartilhar com as pessoas sobre como é possível darmos pequenos e grandes passos em direção a uma vida mais plena, realizada e integrada com a própria história.

E penso na importância de um espaço como esse daqui ainda mais se tratando do tema sobre o qual tenho dedicado os últimos anos da minha vida: pessoas adultas que foram abusadas sexualmente na infância e adolescência.

Como tenho falado esse é um tema que está envolto por um grande muro do silêncio. Este muro pode ser dividido em muitas camadas. Seguem abaixo algumas delas:

1 – A pessoa adulta não reconhece que o passado ainda interfere na sua vida;

2 – A pessoa pode até reconhecer que esse passado importa, mas não tem coragem de falar sobre, nem sequer para si mesmo;

3 – A pessoa já reconhece para si, mas não tem coragem de falar para as outras pessoas, incluindo, muitas vezes, até seus próprios familiares;

4 – Muitas vezes esses familiares também não têm abertura para ouvir sobre o abuso sexual dentro da própria família;

5 – A pessoa não conhece, ou não reconhece que pessoas próximas a ela também passaram por experiências parecidas com a dela para compartilhar sobre aquela dor. O abuso sexual ainda é um segredo trancado a sete chaves;

6 – A pessoa reconhece a dor, mas não tem coragem de procurar ajuda por não acreditar muito que tem algo a ser feito com essa situação;

7 – A pessoa, seja por não aguentar mais, ou por começar a acreditar que aquela situação não precisa ser mantida pelo resto da vida, procura um profissional que possa ajudá-la a atravessar aquele deserto. Infelizmente outra camada pode aparecer aqui, quando o profissional, por diversos motivos, pode não estar tão sensível a reconhecer aquela dor como legítima e pode, de maneira até não intencional, contribuir para que a pessoa adulta volte para o seu silêncio.

Eu poderia falar mais algumas camadas, mas quis trazer situações que tocam diretamente no que estou propondo com esse espaço de depoimentos.

Quero trazer para cá depoimentos de pessoas reais que foram tocadas de alguma forma por alguma parte do meu trabalho e que sentiram que isso as ajudou a encontrar um lugar um pouco melhor com a sua própria vida. Quando eu falo um pouco melhor é porque eu sei que esse processo pode ser longo e duradouro e pode ser que você não se ache a pessoa mais bem resolvida com o seu passado. Não tem problemas. Muitas vezes o caminho vai sendo atravessado num ritmo muito peculiar para cada pessoa. Mas sinto que cada pequeno passo pode fortalecer o próximo. Muitas vezes a pessoa adulta já guarda aquele sofrimento há tanto tempo que ela nem acredita, de fato, que é possível viver sem que aquela dor doa tanto. Por isso é importante reconhecer e, quem sabe até, comemorar as “pequenas conquistas”. Lembro de uma cliente minha que um passo muito importante do processo dela foi conseguir dizer “não” para as pessoas. Pode parecer simples para muitas pessoas, mas, talvez só nós dois saibamos o quanto foi significativo aquele passo.

Pensei, inicialmente em dividir esses depoimentos em alguns grupos:

1. Pessoas adultas que trazem as marcas do abuso sexual na sua vida e que fizeram ou fazem psicoterapia comigo.

Acho bem importante esses depoimentos porque muitas pessoas ainda têm dificuldade de procurar um cuidado profissional por desconhecimento ou descrença na possibilidade de mudar. Ou ainda mesmo algumas que estão em terapia, mas que estão atravessando aquele momento onde tudo parece não ter saída, mesmo que estejam se cuidando. Saber de pessoas que puderam encontrar lugares melhores nas suas vidas pode servir de incentivo e esperança mesmo. Volto a dizer que não é preciso você estar “iluminado” na sua vida para contribuir com esse bloco aqui. Basta que você sinta que algo melhorou a partir do processo terapêutico.

2. Pessoas que estão escutando o nosso podcast (pessoas que foram vítimas, profissionais, familiares, cônjuges, interessados, etc.). 

Temos tido alguns feedbacks muito importantes que me fazem acreditar que o podcast está se transformando num potente espaço de acolhimento e desconstrução do muro do silêncio. Escutar relatos de quem teve alguma experiência significativa através dos nossos episódios do podcast pode chamar mais pessoas a tirarem um tempo para refletir um pouco mais sobre si, a sociedade, a temática, etc. e estejam junto com a gente também através desse espaço.

3. Pessoas que participaram de alguma atividade mais aberta que eu tenha realizado (lives, rodas de conversa, palestras, etc.

Acho interessante quando a pessoa participa de alguma atividade mais breve, onde o mergulho na temática possa ter sido somente inicial, mas que ainda assim pode ter tido algum insight sobre si, sobre sua família, sobre o seu processo, etc. Isso pode estimular às pessoas a procurarem conhecer um pouco mais sobre a temática.

4. Profissionais que sentiram que ter escutado e refletido mais sobre a temática contribuiu para a sua atuação profissional (supervisão, palestras, rodas de conversa, cursos, etc.)

Sinto que esse é um aspecto bem importante para que possamos convidar mais profissionais a reconhecerem que talvez não tenham refletido muito sobre essa temática ao longo do seu desenvolvimento profissional e que se aprofundar mais nessas questões pode ser um diferencial importante ao lidar com pessoas que passaram por essa situação.

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Espero que, com os depoimentos que cheguem, possamos nos reconhecer mais, sabendo que não estamos tão sozinhes assim, reforçando ainda mais a esperança tão bem descrita na frase do meu amigo e colega de profissão João Villacorta:

“O abuso sexual não precisa ser a capa do livro da vida de ninguém”

Estamos juntes.

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