quarta-feira, 18 de março de 2020

Cada casa será uma ilha? Sejamos Pontes!


Atualizado em 30.03.2020

Desde que o assunto do coronavírus foi ganhando mais destaques nas notícias, nas redes sociais, nos grupos de whatsapp, etc. eu ficava me perguntando sobre o que cada pessoa tinha a aprender com essa situação e como poderia lidar com tudo que está acontecendo de modo a contribuir, mesmo que com uma pequena parte, para que possamos passar da melhor forma possível.

Na medida em que os dias vão se passando essa reflexão vai perdendo essa textura mais abstrata, mais etérea, para ganhar uma concretude que me atordoa, que requer de mim – e acho que de muitas outras pessoas também – um lugar de respirar fundo e tentar manter a cabeça no lugar para se observar e observar o entorno com um mínimo de clareza, no intuito de buscar qual o meu lugar nisso tudo.

Alguns textos muito bons têm surgido trazendo esses possíveis aprendizados para todos nós: desde os textos com um cunho mais transcendental, os quais tenho aprendido a gostar e tirar algumas lições para a minha vida; até os textos que trazem questões mais sociais, culturais, ambientais, também altamente necessárias de serem repensadas. Atualmente tenho achado bom não desvincular o transcendente do social e vice-versa no meu olhar sobre a vida.

Este post aqui não buscará endossar essas reflexões, que já estão sendo feitas. Ele tem um efeito mais propositivo e prático, buscando pensar em ações concretas, feitas de maneira mais individual ou coletiva e que possam trazer benefícios a todos nesse momento.

Cada casa será uma ilha?
Eu gostaria de trazer um olhar para o movimento de distanciamento social que está sendo orientado como uma forma de minimizar a propagação desenfreada do coronavírus.

De cara queria dizer que estou buscando aderir a essa orientação, mas não sem preocupação, pois sei bem que nem todas as pessoas estarão em condições iguais de abrirem mão da sua rotina, para poder ficar em casa. E não estou falando somente dos profissionais que estão envolvidos com atividades que “pareçam” ser as mais essenciais para a manutenção mínima do tecido social. Teremos um número maior de pessoas que não poderão, pela necessidade de pagar as suas contas, ficar na “segurança” da sua casa enquanto o furacão do coronavírus passe. Os impactos sociais, os quais estão bem além dos impactos na saúde de cada pessoa, ainda não são possíveis de se mensurar com precisão. Também tem algumas pessoas escrevendo e tentando nos alertar que também pode ser falta de empatia julgar outras pessoas que não consigam aderir ao isolamento por uma necessidade bem concreta.

Mas, ao se pensar também naquelas pessoas que consigam ficar reclusas dentro das suas casas, me vem uma preocupação:

 “Certo, ao nos recolhermos em nossas casas poderemos estar mais seguros do coronavírus. No entanto, onde eu vou me proteger de todas as coisas que emergirão dentro de mim, a partir deste distanciamento social?”

Vejo alguns textos que incentivam uma boa leitura, aproveitar mais os momentos com a família, repensar os modos de consumo e o que cada um tem feito com o seu tempo no cotidiano, etc. Acho todas essas recomendações válidas e farei muitas delas. Porém, tenho pensado muito nos meus clientes, como cada um deles lidará com essa necessidade de ficarem mais isolados. E quando estou falando das demandas que emergirão com o isolamento não estou nem me referindo somente às questões que são evocadas pelo coronavírus: medos, inseguranças nos seus diversos níveis, perdas de pessoas próximas, entre outras. Estou falando das demandas que as pessoas já tinham dentro de si e que poderão ser ainda mais intensificadas com o isolamento. Não é raro observar o quanto algumas pessoas precisam muito de um cotidiano abarrotado de inúmeras coisas para se fazer para não pensarem muito na própria vida.

Lembra a frase de Sócrates:

Apesar de o coronavírus ser o principal assunto, o que mais assusta as pessoas nesse momento, já dava para sentir o quanto estávamos adoecidos mentalmente antes dele chegar colocando tantas coisas em xeque. Penso na quantidade das pessoas com depressão, ansiedade, pessoas com ideações suicidas, etc. Vou fazer uma postagem à parte em seguida, trilhando essa mesma linha de raciocínio, porém trazendo para a temática central do projeto Revelando-Ser, ou seja, pessoas adultas que foram abusadas sexualmente na infância e/ou adolescência. Tenho me preocupado muito com esse público também.

Então, minha proposta é que, nesse momento de isolamento, os (as) psicólogos (as) possam se sensibilizar e se disponibilizar para não deixar com que as pessoas fiquem ilhadas em suas casas. Estas pessoas podem estar precisando cuidar não somente da parte física, mas também da parte mental e emocional. Neste sentido, o recurso da psicoterapia on line pode servir como uma ponte, onde as pessoas podem estar na segurança das suas casas, sem precisarem abrir mão do cuidado consigo mesmas nestas dimensões tão importantes quanto se protegerem do coronavírus.

Dentro dessa iniciativa pensei que cada profissional que está realizando psicoterapia on line possa disponibilizar cerca de dois ou três horários da sua agenda para atender gratuitamente às pessoas que estejam em situação de sofrimento e que queiram buscar ajuda através deste recurso da psicoterapia on line. Pode parecer pouco, mas se cada profissional que esteja apto e comprometido com a sua profissão, puder se implicar nesse processo de se doar em prol desse cuidado com todas as pessoas, podemos minimizar um pouco a turbulência que está por vir com o avanço do vírus. Não teremos como dar conta de todas as pessoas que estejam precisando, como também não teremos como disponibilizar todos os horários da agenda. Mas já ajudaria. Outra possibilidade é que estes profissionais verifiquem a possibilidade de flexibilizar os valores das suas consultas para novos atendimentos. Levando em consideração que muitas pessoas vão ter sua renda afetada por esse novo momento, abre-se uma possibilidade de se oferecer cuidado às pessoas que estão precisando e que estejam ainda mais limitadas nas possibilidades de acessar esse cuidado. Como essa disponibilidade será divulgada, vai depender do critério e criatividade de cada profissional, levando-se em consideração o nosso código de ética profissional.

Ainda como outra possibilidade de cuidado, que não é a psicoterapia propriamente dita, está sendo realizada por vários profissionais que se reuniram para oferecer apoio psicológico neste período de pandemia e quarentena. Existem algumas iniciativas que já estão sendo oferecidas nesse sentido. A que eu estou mais próximo nesse momento, já inscrito para participar como psicólogo voluntário, é um serviço de plantão psicológico on line. Quem estiver precisando de suporte psicológico, ou queira conhecer um pouco mais sobre o projeto, pode acessar o site: https://www.conexaoafetiva.com.br/

Essa e outras iniciativas podem ser vistas no site: www.janeirobranco.com.br/

Alguns textos estão falando que esse momento está exigindo que todos nós olhemos para dentro de nós mesmos para repensar sobre a nossa vida. Porém, talvez, fazer esse mergulho solitariamente seja mais difícil. Então que possamos nos colocar como pessoas disponíveis a cuidarmos uns dos outros nesse momento. Estamos precisando nos isolar, isso é um fato. Porém, não precisamos ficar ilhados.

Que sejamos pontes de cuidado!