"Quando vires um homem bom, procura imita-lo; quando vires um homem mau, examina-te a ti mesmo." Confúcio
Primeiro de tudo, pausa para
respirar...rsrs
Agora senta que lá vem textão...
Muito se tem falado dos tempos
sombrios que já estamos vivendo e que “os ventos” anunciam que ainda pode ficar
pior.
Tenho tanta coisa pra falar, mas vou
tentar organizar por partes.
Primeiramente queria deixar claro
que vejo na possibilidade de Bolsonaro ser eleito presidente uma grande ameaça
à democracia e vários valores fundamentais à manutenção do que chamamos de
sociedade. Logo, o meu posicionamento será o de fazer o possível para que não
precisemos chegar nesse “lugar” para aprendermos sobre o que quero apontar
aqui. Meu voto no primeiro turno não foi no PT, por inúmeras razões que não vou
citar agora. No entanto terá que ser no segundo turno por conta dessa ameaça
que sinto que está rondando a nação. Não será um voto sem críticas, achando que
era o melhor desde o início, tanto que não votei no primeiro turno. Será um
voto a favor da possibilidade de se manter acesa a chama da liberdade, da
mobilização, do debate, da crítica, do questionar o próprio governo – incluindo
a prisão de políticos dos partidos onde seja constatado que crimes foram
cometidos, etc. Muitas pessoas estão achando que ter esse receio é ser muito
alarmista, que não é tão grave assim, que a democracia não está ameaçada. Pode
até ser e quero muito acreditar que não chegamos, enquanto país, nesse nível de
irracionalidade. Porém, repetir um episódio tão lamentável, perigoso e
destrutivo é tão grave que eu prefiro não correr esse risco. O preço a ser pago
pode ser muito alto.
Segundamente, no post anterior,
estive falando sobre a energia de ódio que eu sentia e ainda sinto que
Bolsonaro representa tão bem e o quanto eu achava que todxs estavam se
contagiando, inclusive aqueles que estão lutando para não deixar essa energia
se instaurar por completo no poder. Passado o primeiro turno, com os seus
resultados e com as primeiras reações de muitos que vejo nas minhas redes
sociais, sinto uma tristeza profunda e uma grande preocupação. Diante do
resultado expressivo de Bolsonaro, inicia-se uma mobilização, por vezes de uma
forma desesperada, para se obter votos para ambos os lados na corrida para se
fechar o resultado no segundo turno. A polarização, que já não estava pequena, assume
formas bem concretas e lidar com isso não é simples. Nessa busca, podemos não
ver o quanto estamos, inconscientemente, alimentando o lado oposto.
Pausa para parecer que vou
brincar com a cara de quem está lendo esse post, mas é sério.
Brinquei com algumas pessoas próximas que eu iria começar essa nova postagem dizendo que falaria sério sobre política e para isso traria, como pano de fundo, duas analogias muito acadêmicas (rsrsrsrs): o anime Dragoon Ball Z e a saga de Harry Potter.
Brinquei com algumas pessoas próximas que eu iria começar essa nova postagem dizendo que falaria sério sobre política e para isso traria, como pano de fundo, duas analogias muito acadêmicas (rsrsrsrs): o anime Dragoon Ball Z e a saga de Harry Potter.
Sobre Dragon Ball Z, eu peço a ajuda
de pessoas que tenham assistido, de fato, o anime para me corrigir se eu
estiver errado, pois eu não me lembro bem. A analogia que ficou para mim é o
mais importante e não parou de vir à minha cabeça durante a ascensão do
Bolsonaro nos últimos tempos. Tem um vilão no anime que se chama Majin Boo e,
caso eu não esteja muito enganado, ele tinha uma característica interessante:
conseguia absorver todo o poder de um golpe que era desferido contra ele e,
consequentemente, saía mais fortalecido depois dos ataques. Quanto mais eu via
as pessoas atacando Bolsonaro com o mesmo tipo de energia que ele representa,
eu pensava: em algum nível estamos dizendo que a postura de ódio dele serve
para fazer política. Vi muitos eleitores pró-Bolsonaro mostrando de maneira
muito óbvia que era muito contraditório algumas pessoas ligadas à esquerda
serem contra o radicalismo do candidato deles usando de uma postura tão odiosa
quanto as coisas que ele falava. Sentia que no final rolava um: qual a
diferença da lavagem cerebral e intolerância da direita para a esquerda.
Inclusive vi algumas pessoas que tentavam se posicionar num lugar menos
polarizado querendo dialogar com algumas pessoas da esquerda e eram taxados com
várias generalizações, gerando uma mensagem implícita ou explícita de que
também não era fácil debater com eles a partir de uma visão diferente. Geramos
em muitos momentos um combate de “cegos e surdos” onde as pessoas deixaram de
se ver, de se escutar enquanto pessoas. Movidos pela raiva, pelo medo, pelo
desespero, começamos a ver inimigos por todos os lados e, no final das contas, a energia de ódio só
aumentou, alimentando diretamente quem mais está representando ela. Tentar
lutar contra o ódio de quem eu considero fascista, odiando, estou dando a minha
energia para ele, fortalecendo-o.
Mas aí entra uma dinâmica que tem
a ver com o título da postagem: a projeção da maldade. Tenho a impressão, e
algumas teorias psicológicas podem explicar isso de maneira mais profunda, de
que não queremos reconhecer em nós o quanto temos aspectos dos quais não nos
orgulhamos. Temos dificuldade em perceber que algumas coisas que criticamos
fervorosamente no “outro” também estão dentro de nós, de maneira até mais
escondida – podendo ser até mais perigoso, justamente por não termos
consciência disso e podermos atuar no mundo movidos por estas coisas. Na
vontade de sermos pessoas boas, não reconhecemos as nossas sombras e só
conseguimos ver estes aspectos quando outras pessoas os apresentam e – a partir
delas, nos “outros” – fica muito claro o quanto estas coisas são ruins. Segundo
as teorias, todas aquelas coisas que negarmos estar em nós, teremos a
necessidade de enfatizar no outro, como uma tentativa de não ver que elas
também estão em nós.
Vejo isso todo dia no meu
consultório atendendo às pessoas. Porém, sinto que esse movimento não acontece
somente numa esfera individual. Acredito que essa dinâmica também permeia as
relações sociais, entre os grupos diferentes. Partindo dessa percepção, vejo
duas grandes projeções (devem ter várias outras) nesse momento político tão polarizado
nos discursos da esquerda e da direita:
1 – Na esquerda vejo uma projeção
em relação ao discurso de ódio. Falei isso nas minhas duas últimas postagens e
continuo enfatizando a mesma coisa nesse momento. Mesmo que, nesse segundo
turno, eu veja algumas mudanças nas falas das pessoas que estavam batendo tanto
nos “fascistas” durante o primeiro turno. Acredito piamente que as pessoas podiam estar
querendo, de fato, evitar o que elas acham que seria uma tragédia ao permitir
que Bolsonaro se eleja. Porém, junto com essa intenção, muito ódio que estava
guardado “dentro” das pessoas veio à tona com esses embates. Tanto ódio não foi
gerado “somente” porque o candidato falou coisas absurdas dentro do contexto
geral em que vivemos. Ele não teria poder de despertar uma ira quase que
incontrolável que foi alimentando as interações nas redes sociais nos corações
tão lindos, puros e sem nenhuma agressividade. Pode parecer trabalhoso isso,
mas teremos que olhar para dentro e ver o quanto algumas sombras também nos
habitam para poder trabalha-las melhor no nosso cotidiano individual e social.
Com esse segundo turno, com o discurso mais moderado, podemos deixar de
observar que aquele ódio todo não desapareceu, não era só estratégia de defesa
de um estado democrático. Aquele ódio ainda está aí e o melhor que podemos
fazer é trabalhar isso em nós.
Lembram que eu falei que iria
falar de Harry Porter? Essa analogia serve para refletir sobre a projeção que
eu vejo na direita e que falarei adiante. Assim que acabou o primeiro turno eu
pensei: Como vencer de um Bolsonaro? Ele apareceu de maneira mais forte do que
eu esperava. Não sei de onde veio essa ideia, talvez do movimento de não falar
do nome dele. Pareceu que ele também era “aquele que não se pode nomear”. Eu comecei
a pensar em Lord Voldemort e a história das horcruxes. Na saga, Voldemort era
um vilão imortal porque partes da sua alma tinham sido inseridas em objetos, na
cobra que sempre o seguia e no próprio Harry Potter. Não entendo muito da saga,
tal como o anime, mas essa metáfora me veio na mente. O que eu entendo é que
não seria possível derrotar Voldemort sem destruir as partes da alma do mesmo
que estavam espalhadas em vários lugares. Dentro dessa metáfora, me veio algo
que já tenho pensado muito. Não adianta combatermos algo enquanto movimento
social e ao mesmo tempo sustentar esse mesmo algo na nossa esfera pessoal,
individual. Não adianta eu querer combater o ódio na esfera macropolítica,
quando ele está tão encrustado dentro do coração de cada pessoa. Sempre vão
aparecer mais e mais pessoas que vão conseguir reunir essa energia em torno de
uma ideia ou movimento. Como se vence Bolsonaro: “destruindo” a parte da
energia dele que está dentro de cada um de nós. Coloco o destruir entre aspas
mais para fazer alusão à série. Acho que o ódio tem que ser, primeiramente,
reconhecido, acolhido, para poder, então ser transmutado em outras
possibilidades de existência. É isso que tenho contribuído para alguns dos meus
clientes no consultório e sinto que é isso tem que ser feito em um nível mais
social e cultural. Não digo que todo mundo tem que fazer terapia, não é isso.
Mas que cada pessoa possa, sinceramente, olhar para dentro, ver suas dores e
traumas, e possam dar um outro direcionamento para essa energia.
Sei que é difícil para algumas
pessoas reconhecerem o ódio dentro de si. Muitas pessoas vão dizer que isso
deve estar em muita gente, “mas em mim, não”. Se você já conseguiu chegar num estágio de
consciência onde você não tem nada disso, acho que deve ser uma maravilha viver
como você vive. Ainda não faço ideia de como seria viver assim. Se essa
mensagem não se encaixa para você, tudo bem. Que você possa servir de
inspiração através dos seus sentimentos, pensamentos, discursos e ações no
mundo em prol de um mundo melhor. Porém, acho que você deve ser uma pessoa que
não é tão fácil de achar por aí. Mas se você fizer parte da grande maioria que
ainda tem muita coisa dentro de si, faça um favor para todxs nós, não deixe de
reconhecer a sua parte, para não termos que ficar criando separação achando que
somente o outro grupo é responsável pela maldade do mundo. Quanto mais você
fizer a tarefa de casa de olhar e cuidar do seu “lixo interior”, mais fácil
será para mantermos o mundo mais limpo.
2 – A projeção que vejo na
direita diz respeito à corrupção. Vi muitas pessoas que dizem não se
identificar com muitas coisas que Bolsonaro fala, mas que não podem mais
suportar um partido tão corrupto quanto o PT. Eu tenho minhas dúvidas do quanto
o PT é o mais corrupto dos partidos. Sei que existe corrupção em outros
partidos, sei que existia corrupção antes do PT assumir o governo (Collor não
era PTista), inclusive acredito que também deve ter tido corrupção durante a
ditadura militar. Mas acho que muita coisa não foi investigada. Já escuto as
pessoas falando que o fato de se ter corrupção em outros partidos não justifica
ou diminui a gravidade do que o PT fez. Concordo plenamente. Só uso o mesmo
raciocínio que usei acima quando falei da projeção do ódio. Talvez tenhamos
todxs que observar o quanto a corrupção do nosso país não é uma característica
de um ou outro grupo isoladamente. Nossa corrupção é institucionalizada e
também endêmica. Todos sabem de como temos um “jeitinho brasileiro” para lidar
com a nossa vida. A corrupção, de um jeito ou de outro, também está no nosso
cotidiano, através de atos que parecem pequenos, mas que, somando-se, criam uma
cultura que normalizou essa maneira de viver. São muitas as formas em que a
corrupção se apresenta. Usando da mesma analogia, parece que não queremos
reconhecer o quanto essa energia está dentro da gente e estamos procurando quem
é o responsável por esse mal na nossa sociedade. E aí sobrou para o PT.
Entendam que não estou dizendo que o PT não fez nada. Não é por acaso que ele
está servindo dessa grande tela para projetarmos nossa corrupção. (não vou
entrar aqui no mérito de uma reflexão que eu faço sobre qual a importância dos
meios de comunicação, estruturas de poder, capital, etc. que poderia
problematizar mais esse ponto. Mas o post já está enorme...rs). Tal como raciocinei
quando falei do ódio de Bolsonaro. Ele, de fato, tem um discurso que incita a
violência. Basta ver algumas postagens dos seus eleitores e também os relatos
de pessoas que estão sendo agredidas ou intimidadas por estarem no lado oposto.
Mas o problema está em querer concentrar o ódio de um país nele ou nos seus
eleitores, como também concentrar no PT e nos seus eleitores toda a corrupção do
país. A quantidade de fake News que rolou nesse primeiro turno é uma boa
amostra disso que estou falando.
Do mesmo jeito que falei em relação
ao ódio, também acho que é difícil admitirmos o quanto temos essa sombra da
corrupção dentro de nós mesmos. Mas acho que é um esforço que vale a pena quando
se leva em consideração o benefício que ele pode trazer ao pararmos de ter que
ver somente no nosso “inimigo” a maldade da corrupção. A metáfora de Voldemort também cabe aqui
Acredito que tem ódio tanto na
direita quanto na esquerda. Também acredito que temos corrupção na
esquerda, quanto na direita. Estamos brigando como se estivéssemos totalmente
distantes nessas trincheiras, quando, na verdade, poderíamos nos juntar para combater
esses males que estão há mais de séculos tomando conta do nosso país. Não
existe salvação mágica, simples e rápida para um contexto que foi se formando
há muito tempo. Se eu abro mão do pensamento projetivo e simplista, todos os
problemas do país começaram desde o momento de sua colonização e vêm se
arrastando de lá até aqui.
Estou me sentindo como se ninguém
fosse aceitar que tem essas coisas dentro de si e vai dizer: “Se você tem ódio
e corrupção dentro de você, isso é um problema seu. Não julgue o mundo através
dos seus próprios sentimentos. Pare de projetar em mim os sentimentos que só
estão em você.” Talvez seja eu mesmo o violento, odioso e o corrupto. Reconheço
isso em mim e tenho me esforçado ao máximo para reconhecer e transmutar no meu
dia-a-dia. Ruim é quando a gente nem reconhece. Se ninguém se identifica com
isso, sinto que teremos que ter momentos mais difíceis ainda para poder olhar
para estas sombras. Estou torcendo para que já tenhamos chegado ao mais baixo necessário
do fundo do poço para podermos nos reconhecer e começarmos a subir.
Diante de tudo isso, o que eu
proponho: Não ficarei em cima do muro. Votei no primeiro turno em Ciro e
votarei no segundo em Haddad porque acredito em termos espaço político e social
para nos mobilizarmos e sinto que uma possível ditadura ou um governo mais
autoritário pode não permitir isso. Um raciocínio parecido com o do ator Pedro
Cardoso que postou um vídeo dizendo que votaria no PT para fazer oposição no
dia seguinte. Essa fala tem tudo a ver com o que estou escrevendo sobre a
projeção. Se o mal que existe na sociedade também começa dentro de mim, também
é responsabilidade minha dar conta disso. Falei mais acima que cada um tem que
olhar dentro de si, mas nossa atuação pode não parar somente na nossa esfera
individual. Podemos limpar o lixo da nossa casa, mas podemos também nos
organizar enquanto sociedade para ajudar a limpar o lixo lá fora. Nesse ponto
me vem uma pergunta: Todas as pessoas que estão tão preocupadas com a corrupção
nessas eleições, onde estavam durante todo o tempo em que tantos escândalos têm
aparecido? Será que enquanto pessoas e sociedade, temos uma prática de
participar de espaços que servem de fiscalização, de mobilização, de construção
de práticas mais transparentes, mais idôneas e que garantam que os nossos
políticos não vão poder fazer o que quiserem com o nosso país? Quando eu morava
em prédios, eu não participava nem de reunião de condomínio. Mas, já que
estamos correndo o risco de colocar o país em uma situação tão perigosa por não
suportar mais a corrupção, que tal mantermos a democracia, mas não deixarmos o
combate à corrupção deixar de ser uma pauta de extrema prioridade? No entanto,
pela experiência que tivemos com a ditadura, sabemos que não dá para se
mobilizar e cobrar de um governo autoritário, porque não se pode ter uma força
contrária. A divergência se reprime com violência. Então temos que garantir um
estado democrático. Eu gostaria muito que a única possibilidade de isso
acontecer não fosse votando no PT, mas, nesse momento, é.
Então vou votar nessa
direção.
Vamos nos organizar. Parte das
coisas que eu acredito hoje em dia é que temos muito mais força do que
acreditamos ou dizem para gente. Se cada pessoa se reconhecer nesse lugar de
fazer algo, não precisamos ficar tão imobilizados enquanto os governantes fazer
o que querem em seu próprio benefício. Mas, para que este poder possa ser
reconhecido e atuado socialmente, temos que ter liberdade para isso. Para
começarmos a mudar esse quadro, sem ser através de uma postura que possa causar
ainda mais estragos na nossa sociedade, talvez a solução não possa ser feita
apenas por um político, um partido ou um grupo. Enquanto estamos nos dividindo,
estamos sendo facilmente conquistados. Essa receita é antiga. Mas podemos nos
unir e pensarmos em criar algo diferente.
Vamos todxs nos implicar na “solução” desse
problema?