Olá pessoas. Eu tenho me sentido muito mobilizado com tudo que está acontecendo em nosso país e queria trazer algumas reflexões que não param de falar dentro de mim há muito tempo. Acho que escrever vai ser até uma forma de organizar mais as ideias e partilhar com mais gente o que eu sinto através das minhas experiências. Espero que os textões que vão começar a aparecer não sejam tão cansativos para quem vai ler…rs.
Um pouco da minha história para resumir bem resumido de onde eu falo. Desde a adolescência que comecei a me envolver com movimentos estudantis e comecei a ter uma preocupação maior com o social, com o coletivo, com a necessidade de se refletir e problematizar a forma como vivemos e quais os desdobramentos desta forma em todas as pessoas. Essa preocupação, junto com uma busca meio precoce de autoconhecimento, me fez escolher a profissão de psicólogo, como uma forma de cuidar mais de mim e das pessoas como um todo.
Na minha trajetória pessoal e profissional, sempre estive em contato com duras realidades de exclusão, desigualdade, marginalidade, violência, etc. Trabalhei com pessoas em situação de rua, com adolescentes em conflitos com a lei e coordenei um projeto social em uma comunidade de baixa renda aqui da cidade de Recife com a temática do abuso sexual. Estas passagens profissionais, juntamente com uma biografia atravessada pelo contato com estas questões, contribuíram para que eu passasse a me questionar e questionar quem estava ao meu redor, a partir de reflexões dentro dos movimentos políticos de esquerda. Mas nunca me filiei a nenhum partido específico.
Quem me conhece um pouco mais de perto sabe que, de alguns anos para cá - mais especificamente desde o começo de 2013 - eu passei a me ausentar mais destas discussões e fui me dedicar a cuidar mais de mim, a fortalecer meu lugar de psicoterapeuta individual no meu consultório, me dedicar mais a uma conexão com a minha espiritualidade e recolhi um pouco mais a minha veia social e política de maneira mais clara e explícita no meu trabalho, nos meus discursos e problematizações. Porém, nunca deixei de me preocupar e de tecer considerações sobre isso para as pessoas mais próximas e sinto vontade de voltar a estar mais no âmbito público para continuar trocando ideias e quem sabe contribuindo, dentro de minhas limitações, para se mudar tanta coisa que tem acontecido. Não me sinto com metade das leituras necessárias para uma análise mais profunda e verídica que esgote o que tem acontecido no nosso país.Tenho contato direto com pessoas das mais variadas inclinações políticas e tenho me deparado com um sentimento de confusão generalizada que dá margem para posturas também confusas diante dos acontecimentos dos últimos anos. Tenho a impressão de que tem tantas coisas envolvidas nas nossas atuais demandas sociais e culturais que toda vez que vejo alguém fazendo uma análise da realidade, sempre tenho a sensação de que parece ser algo mais complexo do que o que está sendo apresentado. Isso não significa que não temos pessoas muito bem capacitadas e críticas refletindo e tentando levar isso para um número maior de pessoas. Nem que esse esforço não seja legítimo e necessário. Nem tampouco que o que venho trazer agora já não foi falado de alguma forma, ou que vai ser o mais profundo e completo quadro da realidade, abrangendo toda essa complexidade da qual estou falando. Não tenho essa pretensão. Provavelmente será tão limitado ou mais do que outras perspectivas. Porém, ainda assim acho válido tentar contribuir.
Indo direto ao ponto que eu queria abordar neste primeiro post: o que temos feito para melhorar o atual momento que estamos atravessando no nosso país? Tenho pensado muito no movimento de separação, intolerância, aversão, ódio, medo e outras palavras semelhantes que tomou conta de maneira mais explícita a nossa sociedade. (Provavelmente esta postagem não estará salvaguardada de também ser alvo dessa onda. Faz parte.) Ao meu ver, estamos meio embotados, meio cegos por tantos sentimentos de impotência, de desesperança, de injustiça, de julgamento e condenação, de “não quero mais contato com quem pensa diferente de mim”, de querer achar quem é o culpado, o mais alienado, o mais politizado, etc. Ao me deparar com isso, tenho me perguntado como fazer para não ser mais uma gota nessa onda de separação. Como fazer isso sem me abster de participar da vida política? Talvez seja importante refletir que se abster de participar é uma forma de participação, não é possível não estar participando de um momento político. Mas, como não ficar plugado nessa conexão tão destrutiva que todos têm sentido e ainda assim poder dialogar com as pessoas? Ficar calado e dizer que não se interessa por estes assuntos políticos, parece mais como aquela estratégia de avestruz de colocar a cabeça debaixo da terra e achar que ninguém vai ver ficando com o resto do corpo de fora. Mas tenho visto muita gente que quer e pode contribuir com o mundo não se colocando, porque não acham que existe espaço para dialogar com as demais pessoas. Logo parece que, ou você se pluga nessa onda e vai bater boca no facebook ou outras redes sociais, ou você se abstém de participar. Como fazer para não tentar “combater” uma intolerância, reforçando ainda mais essa onda de intolerância que vem crescendo a cada dia? Não falo isso do lugar de concordar com vários discursos e práticas que estão sendo feitas por todos os lados. Só tenho me perguntado se reagir desta forma, como uma boa parte das pessoas que dizem querer melhorar a sociedade está reagindo, está adiantando para uma mudança concreta no rumo que as coisas estão tomando. Eu tenho me perguntado se o movimento de se entrincheirar nesta “guerra”, fazendo uma delimitação clara entre quem é o lado bom e o lado mau da história, tem ajudado a se encontrar soluções criativas e eficazes de mudança. Certa vez, um grande sábio e amigo questionou a eficácia de “lutar” por uma melhoria coletiva sendo intolerante com os intolerantes, injusto com os injustos e impiedoso com os impiedosos. Eu tenho me lembrado dele cada vez mais.
Meu lugar de terapeuta há mais de 10 anos me colocou em contato com pessoas que socialmente falando são “ruins” ou fazem muitas coisas que não são boas. Não chega no consultório somente pessoas felizes, com valores nobres, solidárias, amorosas, e com um senso de justiça social, etc. De uma certa forma lidamos muito com as sombras das pessoas, com a violência, com o egoísmo, com a manipulação, com o individualismo, etc. Porém, na minha prática tenho encontrado luz na sombra, tenho visto que muitas destas mesmas pessoas não tem somente “aquela banda podre”, que têm muitas coisas “boas”, importantes para a sociedade, mas que, perdidos na sua história, não sabem muito como atualizar essas qualidades. Pessoas que estão em busca de algo que todo mundo quer - ser aceito, amado, reconhecido, ser feliz, crescer e se realizar - mas que, diante de alguns contextos, encontraram formas e arranjos muito diferentes para sobreviver. Muitos desses arranjos são opostos ao que se entende como bom para a sociedade e é preciso que não se tenha uma visão romântica de não levar isso em consideração. Mas essa prática profissional me coloca em contato com essa complexidade que falei mais acima. Ninguém é só luz ou só sombra: tem muito mais coisas em jogo do que colocamos nos nossos desabafos e análises nas redes sociais sobre quem são os vilões e mocinhos das nossas histórias. Tenho achado que parece simplista reduzir uma pessoa a ser uma pessoa má, porque ela cometeu algum delito que dentro do contexto da vida dela, tem algum sentido. Isso não faz com que ela não tenha que arcar com as consequências do delito. Mas isso não desumaniza a pessoa, não coloca ela no lugar de que ela é somente aquilo que ela fez. Estou falando isso numa esfera individual, mas no coletivo isso é ainda mais complexo. Também me parece simplista reduzir uma pessoa que vota em Lula ou em Bolsonaro, tal como temos feito o tempo todo nas nossas comunicações, como alienado, canalhas, fascistas, comunistas, ou que merece ser desprezado, ou que quer ver o país se afundar, entre tantos outros jargões. Falei lá em cima que me aproximei e desenvolvi parte das minhas reflexões a partir de um viés político de esquerda. Atualmente tenho pensado se ainda me identifico com esse lugar social. Não por discordar de que muitas das bandeiras que são encabeçadas por estes movimentos são importantes. Mas porque, diante do aumento da intolerância de todos os movimentos - direita, esquerda, de centro, conservador, liberal, capitalista, socialista, comunista, etc. - me parece que eu gostaria de encontrar um lugar que fosse mais inclusivo, que me unisse mais às pessoas do que me cristalizasse ainda mais em uma polarização que não faz mais sentido para mim.
Lembra uma definição de ética que ouvi na faculdade uma vez. Era algo mais ou menos assim: “Ética é incluir o maior número de pessoas naquilo que chamamos de nós”. Quem trazia isso era o Jurandir Freire Costa, trazendo uma reflexão sobre como tratamos de maneira muito diferente as pessoas que aproximamos simbolicamente do NÓS mesmos e AQUELES que são os OUTROS. Muitos dos sentimentos ruins que acusamos que os OUTROS têm contra NÓS, passamos a reagir nutrindo estes mesmos sentimentos contra esses OUTROS. Mas, e se esses OUTROS também fossem tão humanos quanto NÓS? Como seria minha postura se eu tivesse que aceitar que a situação é muito mais complexa? Por mais resolutivo e embasador para uma luta social que seja, uma análise que tende a simplificar essa complexidade, deixa de fora pontos importantes e desumaniza quem está do outro lado da trincheira, fazendo que continuemos nessa luta eterna do “bem contra o mal”. Como seria o meu discurso, caso eu tentasse entender que - por mais bizarro que possa parecer aquele meu amigo de infância, aquele meu familiar, ou a pessoa distante do trabalho - o diálogo ainda é uma alternativa possível e talvez, extremamente necessária, para se produzir união ao invés de separação?
Tenho lembrado da famosa estratégia do “Dividir para conquistar”. Parece tão mais fácil para quem está no poder conseguir subjugar um povo, uma nação quando ela está cindida, dividida, separada, sem conseguir se comunicar. Sinto que é muito difícil sentar para ouvir as “asneiras” que o eleitor do Lula tem para falar, caso você já tenha decidido que nada de bom pode vir de lá. Bem como deve ser muito difícil escutar o que o eleitor de Bolsonaro tem para argumentar sobre como vai ser bom ter ele como presidente. Para mim, tem parecido que, independente da capacidade crítica de cada lado, quem está certo ou errado, se usarmos as análises políticas para gerar ainda mais separação, mais desumanização, estamos, enquanto sociedade, perdendo um pouco mais essa “guerra”. Parece que todos os lados se dizem muito racionais em suas análises e justificativas. Mas, talvez, pudéssemos refletir se por trás dos nossos discursos objetivos, não estamos carregando eles de toda sorte de emoções reprimidas e desagregadoras que geram essa cegueira que falei lá em cima. Cegos para uma possibilidade de ainda pensar o que seria melhor para aquele NÓS maior, fazendo com que recorramos a estratégias muito mais passionais, excludentes, partidárias e parciais de saídas para essa crise.
A direita é apontada como a mais opressora, sem diálogos, autoritária, etc. Mesmo buscando não me cristalizar nos lados, como eu falei, tendo a concordar com isso, que tradicionalmente encontramos na direita esse comportamento. Porém, me pergunto se a mudança desse estado atual se dará quando a esquerda, que é mais favorável e aberta ao diálogo, se igualar em intransigência e parta para ser tão violenta quanto AQUELES que ela busca “combater”. Não quero dizer que é preciso desistir da mobilização, da manifestação, da busca de solução. Porém que o motor que me move nessa luta, não seja alimentado pelo mesmo combustível que move o que eu quero tanto “combater”. Tenho me perguntado se não seria mais “humanamente útil” tentar “desplugar” da energia de guerra e continuar buscando formas de mobilizar e melhorar a situação. Lembro que quando eu era muito raivoso e intolerante dentro dos meus pensamentos, (basta ver as postagens anteriores) sentia que era quase impossível continuar com forças para lutar, sem ser alicerçado no meu sentimento de revolta ou raiva. Parecia que tirar isso de mim, era como tirar o que me movia. Levei alguns anos para tentar encontrar esse outro lugar. Nem sei ainda se já o achei, mas esse texto é mais uma tentativa de colocar essa aposta em prática.
Como contextualizei no início, estava meio afastado de algumas discussões e posso parecer bem rasteiro ao falar o que quero nesse parágrafo de agora. Porém, talvez ele seja ilustrativo do que eu quero dizer. Na primeira panelada que se teve no país, vi a esquerda tentando alertar o golpe que estava acontecendo ou por vir. Acredito que muita gente que bateu panela de verde e amarelo, não tinha muita ideia do que estava acontecendo e que muita gente foi manipulada mesmo. Porém, ao acontecer todo o desmantelamento que se sucedeu depois desses eventos, sinto que algumas pessoas que bateram panelas quiseram rever o seu posicionamento por perceberem a manipulação e o engano. Não sei se elas passaram a achar totalmente que era golpe ou que tudo o que a esquerda falava era verdade, mas vi uma certa abertura para se questionar onde estava a verdade, inclusive uma possibilidade de reflexão sobre a influência negativa da mídia e dos movimentos que se diziam apartidários, quando que não eram. Achei que aquele era um momento propício para um movimento de maior união e diálogo entre pessoas que estavam em trincheiras opostas. Porém, com uma certa tristeza, fui vendo como muitas pessoas de esquerda, que sei que têm um compromisso em querer melhorar a sociedade para todos de verdade, não conseguiram abrir mão da raiva, do orgulho, do sentimento de “ir a forra” e foram julgando, criticando, desumanizando pessoas que poderiam se aproximar de um diálogo. Muitos “paneleiros”, “patos” podem ter ficado sem lugar para se abrigarem socialmente nessa “guerra” por terem sido tão execrados pela esquerda, como a própria esquerda acusa a direita de fazer. Sei que a análise pode ser bem mais complexa do que isso, mas ainda assim me pergunto se ainda não estamos fazendo isso nesse momento onde a crise se agravou ainda mais. Lógico que, enquanto alguém que se identifica mais com as causas da esquerda, também foi muito doído e revoltante para mim ver tantas coisas acontecerem. Ver, por exemplo, aquela votação bizarra, com justificativas ainda mais bizarras, de quando votaram a favor do impeachment da Dilma. Imagino o quanto deve ter doído para quem tanto já lutou para conseguir coisas melhores para o país ver o que aconteceu e prever o que estava e ainda está por vir. Mas ainda assim, tenho me perguntado até onde vamos precisar chegar, enquanto tempos sombrios da sociedade, para poder repensar se continuar se entrincheirando é o melhor a fazer. Tenho me perguntado se as trincheiras que estão de maneiras mais rígidas atualmente não nos colocam em um lugar de “certezas absolutas” sobre si e sobre o outro que dão margem a esses sentimentos que promovem essa cegueira diante do outro?
Observo que no meu texto, eu falo muito das perguntas que tenho me feito e menos das respostas que cheguei depois delas. Isso fica para outro momento. Tenho ideias e projetos que estão sendo gestados e pensados a partir dessa intenção de gerar mais união e contribuir, influenciar nesse todo. Vou trazendo aos poucos.
Por fim, não quero com tudo isso que escrevi encontrar uma outra trincheira, a saber, a trincheira dos não-entricheirados. Não sei se ficou claro, mas, no momento atual, sinto que as cristalizações estão mais a serviço do desmonte da sociedade do que da busca de uma solução inclusiva para todos. Esta frase me parece até redundante, pelo simples fato de não saber dizer se existe alguma outra solução possível que não seja a “inclusiva para todos”, incluindo até AQUELES OUTROS que tenho tanto considerado como meus inimigos.
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