sábado, 9 de junho de 2018

(OM) "Depurando o Veneno"?

O Mundo aos Olhos de um Misantropo
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17.09.2012
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Estive participando do XVII ENACP - Encontro Nordestino da Abordagem Centrada na Pessoa – durante a semana passada e tive uma experiência muito significativa, a qual queria partilhar. Logicamente que esta é a minha vivência e minha percepção do que se passou em mim e nos outros. Outros participantes podem ver de maneira distinta.
 Eis que estou no auge da minha crise em relação às classes média e alta e vivencio uma situação onde fico cerca de 05 dias com pessoas que se enquadram neste perfil, convivendo manhã, tarde, noite e madrugadas. Convivi com pessoas muito especiais criando, estabelecendo e reforçando vínculos profundos com estas. Talvez seja pertinente ressaltar o local do encontro: uma pousada bem aconchegante, exatamente na beira da praia, com comida farta, etc. Condições estruturais e também relacionais para que o encontro acontecesse.
Eis que vou me sentindo tão bem de reencontrar e conhecer as pessoas, até o ponto em que a misantropia me invade e começo a olhar tudo aquilo, que tanto me alimenta, de um ponto de vista mais crítico e mais ácido. Minha indignação e revolta passa a ficar competindo com todos os afetos “positivos” que eu estava sentindo.
Começo a pensar no meu trabalho, na comunidade, nas crianças e adolescentes que, possivelmente, não vão passar por uma experiência tão boa, tal qual estava vivendo. Não consigo me sentir tão especial diante da vida a ponto de não achar estranho, não achar que existe alguma coisa muito errada no fato de que experiências tão significativas estejam tão más distribuídas entre pessoas de diferentes “níveis” sociais.
O conflito vai ganhando força dentro de mim e a tendência a expressá-lo vai sendo ainda mais reforçada pelo clima facilitador do encontro. A confiança, mesmo que com certo receio, de que estava num ambiente onde seria escutado me fazia querer questionar a própria experiência de estar participando deste encontro e como todo mundo experienciava isto. Mas, ao mesmo tempo, fiquei um bom tempo em dúvida se queria me colocar, pois sempre sinto que em mim a revolta ganha proporções a tal ponto, que vira agressividade e acidez para com aqueles que sei fazerem parte deste lado opressor da moeda. A minha indignação vai depender de acordo com os argumentos e o tom da discussão em si. Como não sabia qual o rumo que essa fala iria tomar, fiquei me segurando.
Enfim, no último dia do encontro tive uma vontade a mais de me expressar e passei a colocar o quanto aqueles dias estavam, por um lado, sendo inibidores destas minhas reflexões e críticas. Porém, por outro lado, também estavam me dando uma leveza em relação aos sentimentos pesados que carrego e alimento comigo quando estou nos momentos intensos de revolta e críticas. Foi muito importante passar alguns dias com pessoas queridas e que considero muito especiais.
Por que estou escrevendo sobre isso?
Porque no meio de todas as coisas que já senti e ainda sinto a partir deste recorte de classe social, minha crítica tem me deixado meio intolerante a ficar muito tempo, convivendo socialmente, conversando sobre coisas mais superficiais, etc. Esta experiência, tal como falei lá para as pessoas, foi muito importante para dar uma acalmada nos meus sentimentos. Eu me via muito revoltado com as contradições e tinha uma postura de generalizar tudo sobre todos. Lá pude ficar mais em contato e me lembrar de que tem pessoas maravilhosas, vivendo a sua vida como podem, como foram ensinadas, a partir das experiências que a vida proporcionou e que estão buscando viver o melhor que podem – seja por alienação, por alheamento, escolha, vontade de não querer entrar em conflito, ter crises de consciência ou algo mais. Pude ver que, por mais que algumas pessoas não estejam próximas ou empenhadas em trabalhar mais pelas questões sociais, estão sendo importantes e fazendo algo de humanamente útil em outros espaços.
Ao falar desta minha experiência no encontro, inevitavelmente, meus questionamentos vieram à tona e, como eu já esperava, o grupo pôde me acolher de forma significativa. Não só me acolheram, como também me incentivaram a falar um pouco mais da minha experiência; a tornar mais claro de que lugar eu estava falando; a compartilhar mais das minha inquietações; mostraram-me que essa fala crítica e indignada poderia servir para fazer com que outras pessoas que estão mais distantes pudessem se aproximar de outras realidades, etc. Senti-me muito bem e com muita vontade de continuar fazendo e talvez aprimorar o que já tenho feito tão naturalmente e por um imperativo existencial: colocar para fora todo o “veneno” que fica em mim ao passar por tantas coisas.
Porém, outras falas também me tocaram, no sentido de questionar se precisava sair com todo esse “veneno” mesmo. Se para manter-me firme e reto neste meu imperativo de sair desabafando sobre as injustiças que vejo na vida, teria de ser de modo tão amargo.  Lembro que usei a expressão de que “estava com a minha arma apontada para a classe média e alta” e logo para mim mesmo. No encontro fui questionado se teria que estar “armado” para poder continuar fazendo o que penso em fazer.
Confesso que para mim é difícil pensar em coisas tão absurdas, “desumanas”, gritantemente desiguais e, ainda assim, não expressar isto de forma mais inflamada, revoltada e mais armada mesmo. Mas, tanto as falas das pessoas, como a própria experiência relatada na primeira metade do post, me deixaram um pouco mais brando. Fiquei pensando em como posso fazer para ir além de um desabafo, de um despejar críticas em cima das pessoas, na tentativa de facilitar a reflexão e a construção de algo mais coletivo mesmo.  
Ainda não sei responder ao certo. Volto ao meu trabalho e ouço histórias que me remetem a sair deste lugar mais calmo. É muito difícil conviver com tantas histórias intragáveis e indigestas. Bate um sentimento de desesperança, como se eu não conseguisse acreditar em perspectivas melhores.
Parece que vou aprendendo como equilibrar mais estas coisas em mim, não só para facilitar o outro, mas para também encontrar um lugar de mais acolhimento de mim mesmo: convivendo com todas as culpa, falta, revolta, mágoa, tristeza, bem como com a alegria, encontro, abundância, perdão, fé, esperança, etc.
Volto deste encontro com mais certeza de que tenho que compartilhar aos quatro ventos como vivencio e vejo este mundo. Porém, venho com um pouco mais de disponibilidade a pensar como encontrar uma forma melhor de convidar o outro a compor comigo esta possibilidade de mudança.
Coincidentemente ou não, volto às músicas que tanto me inspiram a pensar sobre a vida. Acho que o Luiz Carlos da Vila conseguiu se colocar de maneira bem mais bonita sobre o que eu tenho falado.
Salve Luiz Carlos da Vila! 






Diamante
(Luiz Carlos da Vila)

Queria que você saísse
Dessa letargia e sentisse
Que existe algo aí pelo ar

Que tentasse enxergar mais longe
Que lesse um livro aonde
Pudesse aprender algo mais

Você deve ir lá na rua
Da vida do mundo e na rua
Sair desse “Ouvi falar”

E ver a verdade tão clara
Que a paz e o amor não é para
A gente somente sonhar

Nós temos que ter voz ativa
Só não deve ser tão altiva
Pra ninguém se constranger

A vida é um diamante
Que fica ou não mais brilhante
Depende do nosso viver

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