sexta-feira, 8 de junho de 2018

(OM) "Caça às Bruxas!!!" Mas quem são as bruxas?

O Mundo aos Olhos de um "Misantropo"
22.07.2012
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O post em questão começou a ser escrito no mês passado, quando se estava comentando mais sobre o assunto abordado, mas faltava finalizá-lo. Segue em atraso assim mesmo, pois acredito que a reflexão ainda é válida.
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Acho que tem pessoas que gostam de complicar tudo na vida e, sinceramente, acho que me enquadro neste grupo. Estive observando a repercussão que deu a foto divulgada no Facebook sobre a “simulação”, ou não, do sexo oral em cima do palco, ao som da banda Chica Égua. Interessante notar algumas opiniões sobre o ocorrido, variando desde uma crítica em relação ao comportamento da mulher em questão, passando pelas críticas ou aplausos para a própria banda, questionamentos acerca de órgãos competentes que deveriam fazer algo a respeito, os impactos sociais deste tipo de situação ou ainda uma avaliação de qual é o estado atual das produções culturais brasileiras, sejam musicais ou não, etc.
Como falei da complicação que gosto de fazer na vida, acho que todas essas coisas, e talvez muitas outras, são muito importantes para se problematizar esta questão. Eu só gostaria de colocar uma pequena contribuição do que acho importante focar a partir de como isto me afeta, sem reducionismos, sem equações simples, ou soluções mágicas e ineficientes para algo complexo.
Gosto de problematizar a cultura em que vivemos e pensar de um ponto de vista mais macro mesmo. Logicamente, não penso num limite muito claro que separe a esfera sócio-cultural de algo mais micro, como por exemplo, a biografia da mulher e do homem que estavam no palco e foram “protagonistas” deste fenômeno (interessante que, pelo menos nos comentários que vi, o destaque era para o comportamento dela). Talvez seja possível produzir coisas interessantes a partir de cada aspecto destes citados nas opiniões das pessoas. Mas vou focar em alguma coisa do macro (sempre acho estranho dizer que quero focar no macro... rs).
 Acho que cada comportamento, por mais particular que seja, precisa ser situado dentro de um contexto mais amplo, precisa ser lido a partir de outras variáveis que extrapolam o nível individual para englobar a sociedade, a cultura, os valores, ideais de felicidade, vazios existenciais e etc.  em um determinado tempo e espaço. Assim sendo, talvez queiram me falar do quanto “AQUELA MULHER” era de um jeito, ou ainda que “AQUELA BANDA”, ou ainda “AQUELA PLATÉIA” e assim sucessivamente. Porém, sempre tendo a acreditar que por mais “isolado” que possam parecer, tais comportamentos me aparecem como um “sintoma” cultural (nem gosto tanto da palavra, mas não está me vindo outra). Incluindo os “aqueles” como algo cultural, gero uma proximidade “daquela realidade” da minha própria realidade e me sinto implicado a pensar no meu lugar no mundo que contribui ou não para determinada situação. (novamente me vejo querendo abrir uma discussão dentro de outra... daqui a pouco eu mudo o link do site e coloco “misantropia sem foco”... rs ... bem, deixo a maneira como vejo a realidade e vou direto onde quero.)
Ao se pensar como algo cultural, a sexualização da sociedade aparece como algo importante a se pensar, juntamente com os seus impactos, os quais considero negativos, apontando para a necessidade de se problematizar o contexto em que foi produzida a situação. Fiquei pensando na atuação do Ministério Público do Piauí que está pensando ou fazendo algo para proibir a coreografia, analisando o conteúdo das letras para tomar as medidas cabíveis, etc. Não quero dizer que não se deva pensar nas situações a partir de vários avanços que já foram conquistados em termos de leis, da garantia de direitos, direitos humanos, etc. e tentar garantir que elas sejam cumpridas para melhorar a vida em sociedade. Contudo penso que é necessário ir além. Este caso não é uma especificidade do PI ou desta banda. Tais como este, existem bandas e bandas em ritmos diferentes e que veiculam conteúdos iguais, parecidos, piores, etc. Provavelmente, caso essa banda seja proibida de cantar uma música sequer deles, o fenômeno já se espalhou e outras vão cantar as mesmas músicas, ou ainda – sem querer, necessariamente, ofender a quem compôs as músicas – podem aparecer vários “compositores” que juntem uma fórmula que parece ser impecável para vender: uma letra curta, com uma rima fácil de decorar, um duplo sentido trazendo a sexualidade que, atualmente, está impregnada em toda a sociedade e colocando um ritmo mais dançante. Está pronto o novo hit.  Há de se problematizar o quanto de verdade existe no argumento de quem produz este material: “nós cantamos aquilo que o povo gosta!”. Logicamente que este argumento parece não levar em consideração que a oferta também gera a procura, principalmente com os modismos de hoje em dia. Ou seja, acho uma atitude de omissão dizer que se vende um tipo de produto, o qual pode ser nocivo, somente porque tem gente querendo comprar. Mas, novamente, esta é uma discussão que extrapola, momentaneamente, o que se está querendo discutir aqui. Mas, ao achar que existe uma sexualização da sociedade, há de se pensar que não basta somente agir frente a uma banda que aparece com este tipo de exposição. Acredito que faz parte este tipo de intervenção, mas que problematizar este contexto que faz com que muitas pessoas sejam adeptas deste tipo de produção artística também é muito importante. Problematizar sobre a forma que se está vivendo, atualmente, seria fundamental para que fosse possível gerar uma reflexão sobre estes comportamentos que estão tão naturalizados socialmente – inclusive com uma grande contribuição da mídia – dando a possibilidade de maneiras alternativas de se vivenciar a sexualidade e outros aspectos importantes para a existência das pessoas.
Porém, tenho a impressão (para não dizer certeza...rs) de que em nosso país, problematizar não é o foco de muitas das intervenções sociais. Parece que “prevenir”, “educar”, “conscientizar” não é a prioridade, é mais caro, dá mais trabalho e muitas vezes não tem a visibilidade e repercussão gerada por uma intervenção punitiva nos efeitos e consequências de um sistema decadente. (Ainda tem o fator de que é mais difícil lidar com uma sociedade mais “consciente” das suas mazelas, principalmente para se manter o sistema tal como está... mas vamos manter o foco... fica para outros posts...rs.) Concluindo este ponto, acredito que um movimento de “caça às bruxas” é parcial e tem que ser complementado com outras ações que apontem para uma maior crítica do sistema sócio-cultural em que vivemos.
Mas queria levar a discussão para outro ponto, ao mesmo tempo em que continuo na mesma discussão. Pensando mais profundamente sobre o “caça às bruxas” citado no parágrafo anterior, fiquei me questionando sobre quem deve ser “caçado” (se é que alguém deve). Já coloquei no meu post de apresentação como tenho sido afetado pela discussão de classes e que sempre penso em qualquer questão à luz dessa distinção.
Então penso em algo do tipo: neste movimento de sexualização da sociedade, e de uma possível represália, quem vão ser os “pegos pra cristo”? Será que esta seleção é feita aleatoriamente, ou também é atravessada por questões de classe? Acho muito pertinente esta questão para se problematizar se o que é considerado como “negativo” pela sociedade tem cor, classe social, vestuário, português correto, entre outras coisas. A impressão que tenho é de que é mais fácil querer condenar quem não se enquadra dentro de um perfil que se encaixa com o que é mais valorizado socialmente. Tem outro questionamento, complementar a este, que fico pensando: o que é pior, um tipo de música que fala explicitamente sobre conteúdos sexuais em suas músicas, ou outras que fazem isso de uma forma velada, quase como “sem querer” e que são amplamente divulgadas sem ninguém querer processar ou coisa do tipo? Estas duas questões me levam a pensar sobre tantos outros fenômenos que são mais sutis e que não chegam a ter esse alarde todo.  A impressão que eu tenho é que quando algumas coisas vêm de maneira mais aberta e explícita mesmo, existe uma maior possibilidade de se problematizar e de se ter uma opinião em relação ao assunto. Isso não diz respeito só à sexualidade, mas já percebi isso em relação valores, preconceitos, violências psicológicas, etc. os quais são muito velados e que, por assim serem, passam a ter uma influência maior na vida pessoas, justamente por não ser explícito e debatido. Então me pergunto, quais são os outros desserviços culturais que não ganham repercussão por serem “muito menos nocivos” do que esta “superexposição” do ocorrido no PI. A discussão que está sendo feito no referido caso, o da banda, traz como um suporte jurídico a lei Maria da Penha, remetendo-se à violência contra mulher. Porém, penso no impacto que isso tem na construção das personalidades de crianças e adolescentes que convivem com este tipo de exposição em grande parte do seu tempo. Trabalho num projeto social com crianças e adolescentes e sinto na pele diariamente, como as músicas passam a fazer parte da identidade deles, onde se reconhecem em algo que chega até eles e passam a reproduzir os estereótipos como se eles sempre tivessem sido daquela forma. As músicas não retratam, apenas, situações que já existem anteriormente, mas servem como material para reforçar certas práticas.  Então discutir estas músicas também é importante para se pensar também na proteção desta parte da população. Ao que me parece, quando eu escuto um “Soca a boca aqui” (sei que podem dizer que a letra não é essa, mas é isso que eu escuto) é tão explícito o conteúdo sexual que é difícil manter uma posição meio neutra, do tipo “é só uma música com duplo sentido”. Este tipo de letra, pela sexualidade escrachada, parece oferecer uma maior possibilidade das pessoas ficarem a favor explicitamente deste tipo de produção, ou ficar contra e criticar. Você sabe que está sendo exposto a uma influência de ordem sexual, mesmo que tenha um tom de brincadeira e isso pode levar a uma tomada de posição. Diferentemente de outros tipos de produções que são bem mais mascaradas e que vai sendo incorporada ou naturalizada sem uma maior problematização, fazendo parte dos valores sem quase nenhuma reflexão.
Voltando a questão da classe social e pensando no impacto das produções: sempre me pergunto o porquê de, geralmente, em programas de auditório, se ter mulheres de biquínis dançando sensualmente aparecendo aqui e ali. E não estou me referindo a programas produzidos e exibidos em rede local. Falo sim, de programas que passam em rede nacional, com uma programação que pretende-se  que seja para toda a família –  incluindo crianças e adolescentes, visto que a classificação etária em alguns é livre ou 10 anos. Ou outros que tratam um relacionamento afetivo como uma vitrine de uma loja e que você leva o produto de acordo com a embalagem, podendo trocar a qualquer instante, se aparecer uma embalagem melhor? Ou ainda, por que em um programa que deveria ser sobre superação de limites teria que se mostrar participantes do sexo feminino com a parte de cima do corpo nus e cobrindo os seios com as mãos? Como estes exemplos, eu ainda poderia citar outros programas, talvez, até piores. Claro que vão dizer que isso é uma besteira se comparado ao que foi exibido recentemente em vídeos e fotos.  Volta-se a discussão inicial, se eu penso que o que se está focando aparece como um sintoma cultural do momento em que estamos vivendo, pode-se questionar se estes tipos de programas não reforçam ainda mais o que está tão impregnado em nossa sociedade? E será que em algum momento o “caça às bruxas” se voltaria para eles? Será que as grandes empresas midiáticas não poderiam ser no mínimo questionadas? Outro exemplo que me vem à mente, diz respeito ao sucesso do ano passado do cantor Michel Teló. De vez em quando eu me pergunto se posso considerar esta música, juntamente com a sua coreografia, como sendo de duplo sentido mesmo. A meu ver, ela parece bem explícita no conteúdo cantado aos quatro cantos do mundo. Fiquei me perguntando se teria que se colocar uma pessoa na frente da pessoa que faz a coreografia para ficar mais claro que se trata de uma situação sexualizada. Se por acaso for possível concordar que existe algum conteúdo sexual e que não deveria ser difundido tão indiscriminadamente assim na sociedade, me pergunto sobre todo o sucesso dela. Interessante que muitas vezes existe um discurso preconceituoso que argumenta que quem gosta de músicas com este tipo de conteúdo são pessoas de “origem humilde”, “de classe popular”, “sem instrução”, etc. No caso da música em questão, não se vê isso, pelo contrário, acontece uma adesão maciça de uma grande parte da sociedade. Ao se pensar nas crianças e adolescentes o fenômeno fica ainda mais interessante, porque acredito que elas aprendem brincando (ops, dançando) que “pegar” uma pessoa aqui e ali é uma coisa banal como quem vai à esquina e volta. Eita, esqueci que não é qualquer pessoa e sim, deve ser só “a menina mais linda”. Parece que quando eu canto “Ai, se eu te pego”, apesar de ser sexualizada, é legal ver as crianças dançando e cantando. Vi pessoas muitos conscienciosas com esta música no celular tocando para crianças dançarem e todo mundo achando bonito. Provavelmente, estas mesmas pessoas iriam reprovar o “soca a boca aqui”. Interessante como, no caso do Michel Teló, ao invés de repulsa, o que se tem é uma idealização da carreira do artista, do quanto se ganhou dinheiro, das aquisições, de como isso e aquilo, onde a pessoa, de fato, se torna um ícone a ser seguido. Logicamente não pretendo “demonizar” o cantor ou sua produção, como se ele fosse um grande culpado – até porque este foco já esteve em vários outros que vieram antes dele. A mesma contextualização sócio-cultural precisa ser feita aqui. O que quis problematizar é sobre quais serão os critérios utilizados para se enquadrar no “caça às bruxas”. Quem vai “caçar” este exemplo e outros na “defesa” da mulher, das crianças e adolescentes? Quem vai atrás dos apresentadores de programas de televisão, como citado anteriormente? Parece-me que apresentadores de programas, cantores que sejam bastante midiáticos ou se enquadrem dentro do “modelo” produzido socialmente, estão menos propensos a serem questionados nas suas práticas, profissões, influências sociais, etc. Já se sabe que a sexualidade vende muito e que se tem uma legião de consumidores ávidos por estes produtos. Sabe-se também que grandes veículos de comunicação reforçam bastante este tipo de contexto por ser bastante rentável. Diante de toda sorte de programas televisivos que reforçam esta banalização da sexualidade, me parece que tomar alguma providência em relação a banda do PI é algo semelhante a prender os “testas de ferro” do tráfico. Pode parecer que se está fazendo muito (e é importante que se faça!), porém, não pode faltar a clareza que o buraco é mais embaixo.
Importante frisar que, em nenhum momento se pretende advogar que “se é assim, algo espalhado por tudo que é canto, então vamos deixar para lá”. Ou de minimizar o que foi problematizado no caso da banda Chica Égua. Só acho que, ao se problematizar e se indignar por algumas coisas, tal como tem no início, é importante que não tratemos apenas “DAQUELES” como se fossem tão distantes de nós e que se enquadram bem como bodes expiatórios de algo que também tem a nossa participação. Não é à toa que, na ocasião do meu casamento, decidi que músicas deste tipo não tocariam e, sem surpresas para mim, algumas pessoas que me são queridas questionaram esta decisão. Provavelmente pessoas que se chocariam diante destas fotos e vídeos. Se é pra questionar, questionemos  também sobre os motivos que nos fazem eleger certas coisas como questionáveis e outras não.
Quase escuto o argumento novamente: “não se pode comparar o efeito de uma coisa com a de outra. Não existe incoerência em se indignar com estas fotos e vídeos e adorar Michel Teló e outros que fazem parte do gênero”. Se eu quiser só focar na parte dos efeitos negativos causados, gostaria de lembrar do quanto a música “Ai, se eu te pego” se espalhou pelo mundo todo. Alguns autores colocam que o Brasil já teve uma imagem negativa no cenário mundial, por sua vinculação com festa, samba, futebol, cerveja, carnaval e muitas mulheres bonitas. Será que não existe uma possibilidade de se ter estereótipos reforçados a partir desta visibilidade nacional a partir desta produção artística? Apesar da necessidade de uma preocupação constante em relação a isto, me preocupa o fato de estarmos praticamente às vésperas de grandes eventos internacionais e que a maneira como o Brasil é visto pode gerar demandas diferenciadas nos turistas que vão passar por nossos aeroportos. Esta parte de como a copa, olimpíadas não vai ser só festa e lucro para o país fica pra outro momento.
Então, acho que dependendo do foco que se tenha, de que fenômeno se quer partir para abrir a discussão, podem-se questionar várias coisas, sendo necessário se perguntar o porquê de tendermos a nos questionar de algumas e outras não.
Bem me estendi muito novamente. Acho que só os “heróis da resistência” é que vão ter saco para ficar divagando junto comigo neste monte pensamentos, às vezes meio embaralhados...
Tentarei ser mais sucinto nos próximos...rs. 

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