A primeira vez em que eu me descobri racista foi perto dos meus 10 anos...
(Abrindo um parêntese meio longo:
Achei essa frase meio estranha quando digitei. Como assim, a primeira vez?! Para
mim só se descobria algo desse tipo uma vez só! Pois é, a vida me ensina
diariamente que não. De lá para cá venho buscando desconstruir o racismo dentro
de mim. Porém, quando eu já me sinto tendo trabalhado essa temática “o
suficiente”, vem alguma outra situação do cotidiano me mostrando o quanto ainda
estou longe de não ser afetado por nossa estrutura social profundamente
racista. Então já me descobri racista inúmeras vezes, em épocas diferentes. Lembra como
eu me sinto em relação a não querer ser machista. Mas isso é outro papo!)
Voltando.
Quando eu tinha 10 anos, lembro
do meu pai chegando com uma fita do primeiro disco do Gabriel, O pensador e um
dicionário do lado para que eu pudesse tentar entender aquelas letras mais
adultas com um pouco mais de propriedade. O que eu não entendia, mesmo com o
dicionário, ele me explicava do jeito dele.
Eu localizo nessa passagem uma certa
iniciação a problematizar o mundo, a questionar as coisas que eu tinha como
certezas.
Nesse disco tinha uma música que
se chamava Lavagem Cerebral. Lembro que não entendi muitas coisas quando
escutei na primeira vez, mas, à medida que eu ia compreendendo, eu tomei um
susto. Frases do tipo “O racismo é uma burrice, mas o mais burro não é o
racista. É o que pensa que o racismo não existe. O pior cego é o que não quer
ver que o racismo está dentro de você!” soaram como um tapa na minha cara, me
causando incômodo e me obrigando a reconhecer o quanto eu fazia parte dessa
dinâmica da sociedade.
De lá para cá, passando por tantas experiências,
inclusive me tornando psicólogo e trabalhando muito com problemáticas sociais, ainda
assim me frustro por sentir coisas que eu não queria sentir.
Dando um exemplo prático: em 2009 eu fui para um evento da Abordagem Centrada na Pessoa em Florianópolis e, no final do evento, descemos até o Rio Grande do Sul de ônibus para encontrar uns amigos e depois retornar para Recife. Quando chegamos em Porto Alegre, por volta de umas 06hs, saímos andando pelas ruas próximas da rodoviária até encontrarmos um lugar para tomar um café da manhã. Estávamos todos de malas grandes e quando encontramos nossos amigos que moravam lá, uma pessoa comentou que era arriscado andar naquelas ruas naquele horário. A pessoa comentou que, geralmente, têm muitos ladrões naquelas bandas. Eu me senti meio estranho e disse que não tinha visto ninguém que eu achasse perigoso na nossa peregrinação. Um pouco depois de falar isso eu me dei conta que a representação mental de quem eu acho perigoso era de um homem negro. Eu, de fato, não sei o quanto tinha ou não pessoas que poderiam nos assaltar naquele dia, mas me doeu reconhecer que eu estava me sentindo seguro porque não vi nenhum negro. Por uma questão específica daquela localidade - bem como não se deve fazer essa generalização em lugar nenhum - é muito provável que “o ladrão” de lá não seja negro. Ou seja, eu poderia estar correndo riscos e nem me localizei diante disso por ter dentro de mim uma naturalização de quem é o “ladrão” na nossa sociedade. Naquele dia eu me descobri novamente racista!
Não me orgulho disso, não alimento
isso nos meus pensamentos conscientes, não olho para uma pessoa negra querendo acha-la
inferior ou mais perigosa do que outras, etc. Mas tenho que reconhecer que esse
racismo está entranhado dentro de mim e que é melhor que eu reconheça isso do
que fazer de conta que não existe por querer ser politicamente correto, ou por
não querer me reconhecer menos do que eu gostaria de ser.
Desejo sinceramente que paremos
de tapar o sol com a peneira e possamos olhar de frente para as nossas chagas
sociais de modo a criar um ambiente muito mais respeitoso, cuidadoso, inclusivo
e saudável para todas as pessoas, sem deixar de levar em consideração suas singularidades.
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