quarta-feira, 17 de março de 2021

A pandemia enquanto reforçadora do MEU Muro do Silêncio


Como está enfatizado no título, tudo que escreverei nesse texto falam de atravessamentos meus, sem a intenção de avaliar, julgar, criticar ou guiar outras pessoas nas suas experiências com a pandemia.

Esse título me suscita vários aspectos diferentes que poderiam ser trazidos para esse texto. Existem alguns dados mostrando que houve um aumento do número de abusos sexuais contra crianças e adolescentes ao longo desse período de pandemia. Para não ficar ainda maior o texto – quem me conhece, sabe que eu tento não falar muito...rsrs – irei deixar alguns links que podem ilustrar melhor.

Abusos contra crianças e adolescentes aumentam durante a pandemia

Abuso sexual infantil na internet aumenta durante isolamento, diz Europol

Abusos contra crianças crescem até 12 vezes na pandemia em São Paulo

-----------------

Mas não é dessas situações todas que quero falar hoje. Quero falar de um reforço muito particular, sobre o qual venho tendo clareza de maneira muito incipiente até o momento.

Desde a minha última postagem, no dia do meu aniversário, que eu não tive muita energia para voltar às redes sociais. Agradeci a maior parte das pessoas, mas fiquei sem dar resposta para tantas outras. 

No começo achei que era um certo cansaço depois de terminar o curso de extensão que eu estava facilitando ao longo daquele mês. Mas achei que logo em seguida, eu retomaria as atividades.

Eu tinha muitos motivos para isso: 

1- O término do curso para mim foi de uma potência que ainda quero falar mais sobre ele;

2- Estamos com uma segunda turma do mesmo curso para iniciar em abril; 

3- Diante do retorno de muitos participantes que querem continuar se aprofundando mais na temática, vamos realizar em junho um curso de aprofundamento com quem participou dessas duas primeiras turmas;

4- Tenho outros movimentos para fazer dentro do projeto Revelando-Ser que podem ser ainda mais realizadores e capazes de ajudar ainda mais gente.

Ou seja, eu estava muito animado, muito empolgado com tudo que estava e ainda está acontecendo nesse meu momento profissional.

Mas eis que, de repente, eu não me sinto com energia para voltar para as redes, para os grupos, para continuar no movimento que eu estava fazendo e que estava super bom. Eis que eu entro no mode off e demoro muito para retornar. Na verdade essa postagem é o que está marcando meu retorno. Duas semanas depois do meu aniversário.

Esse sumiço não foi programado, não foi desejado e, posso até dizer que não foi percebido. Simplesmente parece que os dias foram passando e eu não reapareci.

Ao ler uma postagem da minha amiga Isadora Dias (@psicologa.isadoradias), me veio forte o que eu já tinha sentido no meu aniversário e que achei que tinha passado: um sentimento de confusão e ambiguidade em relação aos meus projetos, sonhos, vida, alegrias e todo o contexto nefasto que estamos vivendo com a pandemia.

Nesta pandemia eu estou fazendo parte de um grupo que está conseguindo atravessar esse momento com muitas limitações, mas que nem se comparam com enorme quantidade de sofrimentos que tantas outras pessoas estão passando. 

Só trazendo um dado concreto mais concreto: eu não perdi nenhuma pessoa próxima de mim por conta do COVID-19. Fico apreensivo por isso todos os dias, tentando ter todos os cuidados, mas não tive essa experiência que vemos que está atingindo a tanta gente.

Tenho tentado encontrar um equilíbrio diário complexo, sofrido, frágil entre estar por dentro das coisas que acontecem, não me alienar de tudo que estamos vivendo pessoalmente, socialmente, politicamente, etc. e não me deixar abater por tantas coisas ruins, por tanta desesperança, por tanto sentimento de impotência, angústia, tristeza, revolta, etc.

Quando a pandemia pareceu ser algo que passaria logo (nem sei se existiu esse momento dentro de mim para além de uma tentativa vã de achar que as coisas não seriam tão ruins), parecia ter um sentimento de "agora não é hora de fazer determinadas coisas, agora é hora de sobreviver, de cuidar de si e de todes, na medida do possível". Parecia que outros sonhos e planos deveriam aguardar um pouco até chegar um momento mais oportuno, um momento menos urgente e sofrido, para se falar de outras coisas que não fossem diretamente relacionadas com a pandemia e todos os efeitos dessa tragédia. 

Mas o tempo veio passando e estamos no pior momento da pandemia. Aí eu volto pro começo da historinha: o que é que tem a ver tudo isso que eu estou falando com o MEU muro do silêncio?

Diante de tudo que estamos vivendo parece quase que errado eu ter estado tão empolgado, tão cheio de vitalidade e de sonhos há 15 dias atrás. Como eu falei antes, foi estranho celebrar a minha vida, quando tudo está tão rodeado de mortes.

Eu terminei o dia 03.03.2021 pulsando com tanta coisas boas que estavam e ainda estão por vir, mas em algum lugar dentro de mim eu me julguei, me condenei e sentenciei que dentro de um contexto tão sofrido não caberia tanta motivação, empolgação e alegria. "Como você pode estar tão feliz quando ao seu redor tantas pessoas sofrem?". Aí chega no Muro do Silêncio que tenho falado tanto nos últimos tempos: "Qual a importância de falar de pessoas adultas que foram abusadas sexualmente e os seus sofrimentos, quando tem tanta gente morrendo aos montes e tanta gente sofrendo por tanta coisas do momento presente?".  Já existe um muro do silêncio enorme em volta da temática do abuso sexual. Esse assunto parece nunca ter o momento "certo" de se falar sobre ele. Venho trabalhando diariamente para desconstruir essas ideias, mas me senti envolvido por elas nesse momento trágico da nossa sociedade.

É como se, diante do absurdo ao qual estamos vivendo neste momento, qualquer assunto que não fale sobre a pandemia, sobre um desgoverno que faz da morte seu projeto político, sobre estratégias de amenizar tanto o nosso sofrimento diário, beira a uma postura que não está implicada socialmente e politicamente. Qualquer fala que venha trazer outras situações, ainda mais com esse clima de empolgação que eu estava, parece ser um lugar de alienação e de não estar falando do que importa neste momento. Falar de abusos sexuais parece off-topic atualmente.

Tem um dentro de mim que não concorda com isso. Já falei sobre isso antes e reconheço o quanto as coisas que proponho são importantes e que, assim como tantas outras pessoas, tenho o direito de nutrir coisas que fazem sentido para mim. Mas tive que reconhecer que o meu sumiço das redes se deu por vários sentimentos desses que nem sequer eu os estava conseguindo nomear. Como sei racionalmente disso, parece que acredito estar imune a todo esse atravessamento de sofrimento que chega por todos os lados. Mas tive que reconhecer que essa ambiguidade fica funcionando em segundo plano, drenando parte da minha energia e entusiasmo com a minha própria vida.

Qual o nosso lugar diante disso tudo? Quanto consigo suportar vê tantos sofrimentos? Quanto me perco nesse mergulho? Como continuar sendo guarida para outras pessoas envolvido por tanta desesperança? Em que medida o meu procurar estar bem pode ser somente uma defesa para não entrar em contato com uma dor que já está mais profunda?

Teriam tantas outras perguntas.

Não tenho solução para isso no momento. Só sinto que, ao conseguir nomear para mim esse interdito, essa proibição, consigo reconhecer o quanto não faz sentido ficar paralisado e estou retomando hoje as minhas atividades, não ficando refém do meu/nosso sofrimento.

Chego mais inteiro para dar andamento a tudo que sinto dentro de mim.

Hoje à noite estaremos juntes, eu e Isa, numa live no insta dela para conversar um pouco mais sobre tudo isso.

E vocês como lidam com tudo isso?

Nenhum comentário:

Postar um comentário