quarta-feira, 7 de abril de 2021

"Uma história sobre as memórias que nos assombram e a verdade que nos liberta...”

 

Essa frase do título está na capa do filme - O príncipe das Marés (1991)

Ao trabalhar com pessoas adultas que foram abusadas sexualmente na infância e adolescência poder surgir muito o questionamento sobre o quanto é importante olhar para o passado, muitas vezes sofrido, onde aconteceu o abuso sexual.

Para algumas pessoas olhar para esse passado parece uma perda de tempo, um vitimismo infantil e desnecessário, atitude de uma pessoa pessimista que fica se apegando às coisas ruins da vida ao invés de perceber que ela não é mais uma criança e que tem que olhar para a frente ao invés de ficar “ruminando” o passado. Afinal de contas “não vai mudar em nada” ficar olhando para o que aconteceu.

Essa postura de muitas pessoas que não passaram pela situação do abuso sexual e até de várias que também passaram só dificulta uma melhor compreensão do sofrimento pelo qual muitas pessoas estão aprisionadas durante anos.

Gosto muito da frase citada no início desse post e que foi retirada da capa do filme. Ela mostra o quanto pode ser uma empreitada frustrante e exaustiva não olhar para determinadas memórias que insistem em serem lembradas e que podem tomar a pessoa de assalto em momentos bem inesperados.

Tem uma cena do filme que para mim retrata um pouco dessa dinâmica. O Tom (personagem principal), depois de algumas sessões com a terapeuta e de começar a lembrar de muitas coisas do seu passado, vai passar um tempo na sua casa e participa de uma festinha de aniversário da sua filha caçula. Neste momento, onde a sua esposa está preparando o bolo com as suas filhas, ele começa a lembrar de um aniversário dele e da irmã dele e que teve uma cena de violência pesada entre os seus pais. Ele fica na lembrança durante um tempo e consegue ainda voltar há tempo de cantar o parabéns para a sua filha sorrindo

É importante destacar que o personagem se apresenta como uma pessoa muito distante emocionalmente de tudo, nunca se permitindo se conectar verdadeiramente com nada e com ninguém.

Aqui eu levanto uma hipótese teórica de que, quando temos feridas que ainda estão muito abertas dentro da gente, precisamos, de alguma forma, evitar entrar em contato com essas lembranças e, também, com eventos do presente que servem de gatilhos para acessarmos essas dores. Talvez o Tom nunca possa ter desfrutado de um aniversário da sua filha, porque não “conseguia” correr o risco de lembrar das violências que vivia na sua infância. Logo, se afastar de tudo funciona como um mecanismo de sobreviver a tantos choques traumáticos.

Porém, nesta cena, o processo acontece de tal forma que, ao ter um suporte de alguém que o ajudava a encarar esses porões obscuros do passado, o Tom, ao se lembrar do passado, não precisa ficar negando aquela experiência dolorosa que aconteceu. Ele pôde integrar que aquele evento faz parte da sua história e ainda tem tempo de se permitir ser afetado pelo que estava acontecendo no presente.

Então, olhar para o passado não é para ficar naquele passado, mas, sim para poder se libertar de tantas amarras que nos impedem de estar mais plenamente no presente. Quanto mais podemos ter um olhar cuidadoso para nossas dores passadas, mais podemos garantir elas não nos dominarão no momento presente. Quando mais olhamos para a verdade, mesmo que seja permeada por sofrimentos, mais é possível encontrar uma liberdade dentro da nossa história.

Tenho visto isso acontecer com muitos clientes e isso é muito gratificante!

Vamos olhar mais para o que precisa ser visto?

Nenhum comentário:

Postar um comentário