Essa frase do título está na capa do filme - O príncipe das Marés (1991)
Ao trabalhar com pessoas adultas
que foram abusadas sexualmente na infância e adolescência poder surgir muito o
questionamento sobre o quanto é importante olhar para o passado, muitas vezes
sofrido, onde aconteceu o abuso sexual.
Para algumas pessoas olhar para
esse passado parece uma perda de tempo, um vitimismo infantil e desnecessário,
atitude de uma pessoa pessimista que fica se apegando às coisas ruins da vida
ao invés de perceber que ela não é mais uma criança e que tem que olhar para a
frente ao invés de ficar “ruminando” o passado. Afinal de contas “não vai mudar
em nada” ficar olhando para o que aconteceu.
Essa postura de muitas pessoas
que não passaram pela situação do abuso sexual e até de várias que também
passaram só dificulta uma melhor compreensão do sofrimento pelo qual muitas
pessoas estão aprisionadas durante anos.
Gosto muito da frase citada no
início desse post e que foi retirada da capa do filme. Ela mostra o quanto pode
ser uma empreitada frustrante e exaustiva não olhar para determinadas memórias
que insistem em serem lembradas e que podem tomar a pessoa de assalto em
momentos bem inesperados.
Tem uma cena do filme que para
mim retrata um pouco dessa dinâmica. O Tom (personagem principal), depois de
algumas sessões com a terapeuta e de começar a lembrar de muitas coisas do seu
passado, vai passar um tempo na sua casa e participa de uma festinha de
aniversário da sua filha caçula. Neste momento, onde a sua esposa está
preparando o bolo com as suas filhas, ele começa a lembrar de um aniversário
dele e da irmã dele e que teve uma cena de violência pesada entre os seus pais.
Ele fica na lembrança durante um tempo e consegue ainda voltar há tempo de
cantar o parabéns para a sua filha sorrindo
É importante destacar que o
personagem se apresenta como uma pessoa muito distante emocionalmente de tudo,
nunca se permitindo se conectar verdadeiramente com nada e com ninguém.
Aqui eu levanto uma hipótese
teórica de que, quando temos feridas que ainda estão muito abertas dentro da
gente, precisamos, de alguma forma, evitar entrar em contato com essas
lembranças e, também, com eventos do presente que servem de gatilhos para
acessarmos essas dores. Talvez o Tom nunca possa ter desfrutado de um
aniversário da sua filha, porque não “conseguia” correr o risco de lembrar das
violências que vivia na sua infância. Logo, se afastar de tudo funciona como um
mecanismo de sobreviver a tantos choques traumáticos.
Porém, nesta cena, o processo
acontece de tal forma que, ao ter um suporte de alguém que o ajudava a encarar
esses porões obscuros do passado, o Tom, ao se lembrar do passado, não precisa
ficar negando aquela experiência dolorosa que aconteceu. Ele pôde integrar que
aquele evento faz parte da sua história e ainda tem tempo de se permitir ser
afetado pelo que estava acontecendo no presente.
Então, olhar para o passado não é
para ficar naquele passado, mas, sim para poder se libertar de tantas amarras
que nos impedem de estar mais plenamente no presente. Quanto mais podemos ter
um olhar cuidadoso para nossas dores passadas, mais podemos garantir elas não
nos dominarão no momento presente. Quando mais olhamos para a verdade, mesmo
que seja permeada por sofrimentos, mais é possível encontrar uma liberdade
dentro da nossa história.
Tenho visto isso acontecer com
muitos clientes e isso é muito gratificante!
Vamos olhar mais para o que
precisa ser visto?
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