segunda-feira, 6 de abril de 2020

O paradoxo de quem precisa correr tanto para desacelerar

Abrindo um Preambulo.

Antes de tudo, eu gostaria de indicar que, ao meu ver, esse post não se enquadra a toda e qualquer realidade social do momento atual. Sinto que estarei falando do meu lugar na sociedade e dos clientes que fazem psicoterapia comigo. Tenho clareza que é fato que, para um número grande de pessoas em situações de maior vulnerabilidade social, muitas coisas que estou falando aqui nessa postagem fazem pouco ou nenhum sentido. Tem bons textos falando sobre essas diferenças que ficam ainda mais evidenciadas em tempos de crise como agora. Lembro da frase que bem define isso:

Não, não estamos todos no mesmo barco. Quando muito, estamos no mesmo mar, mas uns em iates e outros agarrados a um tronco" (meme anônimo)

Mas ainda assim, gostaria de compartilhar um pouco do que tenho pensado sobre coisas que uma parte da sociedade está vivendo. Espero que contribua para que cuidemos mais uns dos outros, incluindo aquelas pessoas que estejam vivendo algo diferente.

Fechando o preambulo.

Será que desaceleramos?

Neste período de pandemia continuo realizando os atendimentos de psicoterapia com os meus clientes. Porém, por reconhecer a importância do isolamento social, todos os atendimentos estão sendo on line, para poder integrar a importância da continuidade do cuidado com a saúde mental das pessoas e as orientações recomendadas pelos órgãos que, de fato, estão comprometidos em cuidar com seriedade deste momento que já está bem caótico.

Ao acompanhar os meus clientes, bem como por também estar vivenciando essa “quarentena”, tenho visto como toda a vida ficou meio confusa, sem um norte claro, sem que as pessoas saibam muito bem como lidar com esse isolamento repentino. A dimensão do tempo ganhou uma importância grande nesses últimos dias. O que estive, estou e estarei fazendo com o meu tempo a partir de toda essa situação? Particularmente, não estou com meu tempo mais livre. Ademais, parece que tenho menos tempo agora do que tinha antes da pandemia.

Nesse sentido, uma reflexão me chamou a atenção por esses dias que dizia respeito à oportunidade de desacelerarmos as nossas vidas, juntamente com as nossas relações, para buscarmos nos entender um pouco mais nessa loucura que se tornou a vida.

Ressignificar as relações com tudo: vida, família, trabalho, saúde, consumo, meio ambiente, cuidados com a casa, enfim, prioridades. Achei essa proposta muito importante, pensando no quanto tenho recebido pessoas no meu consultório que sofrem com essa “normose”, vivendo essa vida corrida, no modo automático, a partir de hábitos, costumes e posturas altamente adoecedoras para si e para os outros, sem questionarem se o que se considera normal atualmente é o melhor para a vida no planeta. Lembra a frase que tem circulado (não consegui identificar ao certo a autoria):

"Não podemos voltar ao normal porque o normal era exatamente o problema. Precisamos voltar melhores. Menos egoístas. Mais solidários. Mais humanos".

Mas daí comecei a perceber o movimento de muitos dos meus clientes, a partir de tantos incentivos feitos pela internet, de quererem aproveitar tudo que eles podiam fazer na quarentena e que não cabia na rotina do cotidiano. A partir do estímulo de aproveitar “o tempo livre” para rever a sua vida, muitas pessoas resolveram: faxinar toda a sua casa e/ou apartamento; fazer todos os exercícios físicos;  ler todos os livros atrasados que se tinha em casa – sem esquecer de ler também vários livros que foram disponibilizados e socializados na quarentena; fazer todos os cursos gratuitos que apareceram; assistir todas as lives que tantas pessoas estão fazendo – bem como todos os filmes e seriados; desenvolver seus dotes culinários; criar uma rotina de jogos e ocupações para as crianças, etc. Isso sem contar com as atividades diárias e necessárias para se cuidar da casa e das crianças, sem a comum terceirização que é feita em dias “normais”.


Logicamente que eu não estou querendo dizer que cada coisas dessas não possa ser, em si, muito bom para que possamos fazer algo de útil e proveitoso durante a quarentena. O que me preocupa é a manutenção de um tipo de funcionamento que só muda de conteúdos, mas que permanece com o mesmo imperativo de ter que correr tanto para dar conta da vida novamente. Então não acho que o “problema” esteja na qualidade das coisas estão sendo feitas, mas sim, na sobrecarga que se acumula e faz com que a vida pareça ficar com muito mais autonomia e bem-estar, mas, que no fundo, reproduz uma mesma lógica robotizada e desconectada se não se tiver cuidados. O fato de termos que nos isolar não garante que a velocidade diminua. Muitas pessoas aceleraram e muito dentro dos limites que a quarentena impõe.

Tenho suspeitado que se ocupar muito neste momento também é uma forma de não entrar em contato com tantos sofrimentos, medos, incertezas, inseguranças, etc. Não quero dizer que toda fuga tem que ser considerada negativa. Acho que se todo mundo parar para pensar no que já está acontecendo e no que ainda estar por vir, muitos não conseguiriam continuar fazendo as coisas diárias que são necessárias para continuar tocando a vida em tempos sombrios. Mas penso que, se a quarentena durar mais tempo do que gostaríamos, esse modo de funcionamento, de evitar o contato com as nossas próprias emoções, também trará suas consequências na saúde mental e emocional de todas as pessoas.

Foi necessário se preocupar com coisas muito práticas e concretas para lidar com esse início de pandemia. A vida de muitos e muitas estavam e ainda estão correndo um sério risco. Esses cuidados ainda precisam ser mantidos. Mas, com a continuidade da quarentena, precisamos cuidar da nossa saúde mental para podermos passar por essa quarentena da melhor forma possível. Vi alguns textos orientando as pessoas a fazerem coisas para não se angustiarem nesse período ou para não ficarem entediadas durante a quarentena. Mas a angústia faz parte desse processo. Ela tem que ser incluída para repensarmos de verdade sobre tudo que está acontecendo nas várias dimensões da vida. Eu desejo que possamos cuidar mais do nosso emocional, incluindo todas as tensões que isso implica, ao invés de ter que seguir as receitas pré-fabricadas de como ter uma quarentena top, com alta performance, ou super espiritualizada, descontextualizando-se para não sofrer.

Muitos projetos foram criados para dar suporte psicológico voluntário e gratuito durante esse tempo de pandemia. Busquem esses cuidados, caso não tenham recursos ou não saibam a quem recorrer nesse momento.

Para quem estiver com condições financeiras, a psicoterapia on line também poder ser um recurso muito importante nestes momentos. Não para lidar, somente, com os efeitos emocionais negativos dessa pandemia, mas, sim, como um cuidado que pode se estender para além desse momento mais emergencial.

Que possamos cuidar mais da nossa saúde mental e emocional no meio de tudo isso que está acontecendo...

Se você estiver precisando de ajuda profissional, pode entrar em contato comigo através do meu whatsapp: (81) 99840.8940

4 comentários:

  1. Guilherme, suas reflexões fizeram muito sentido e eco dentro de para mim.
    No último sábado que passou, finalmente dei vazão a essa angústia que vinha carregando e ainda não conseguia identificar com clareza.
    Percebi o quanto estava inconscientemente tentando me encaixar nesse lugar de uma “quarentena util” por projetos atrasados em dia, fazer as leituras que não conseguia, assistir filmes e até dar continuidade de outro jeito a projeto pessoais que estavam engatilhados... #sqn conseguia fazer absolutamente nada.... parecia estar rodando atrás do próprio “rabo” o dia passava e pouca coisa eu conseguia fazer, além das refeições, dormir e ficar de frente pra tv “vendo nada”. Ah! E até os meus atendimentos que amo tanto fazer, resolvi suspender na busca de compreender e me encontrar no meio disso tudo. A angústia só aumentou e comecei a perguntar porque tinha que preencher tanto meu tempo para me sentir util, ativa, “fazendo o certo “ .... o certo.... o que era o certo no meio a todo esse caos, ao distanciamento de pessoas que amo, a falta de toque que hj vejo ainda mais o quanto é importante para mim! E como uma explosão legítima e genuína acordei no sábado e uma amiga tb psicóloga foi a chave que me facilitou abrir esse contato interior! Estou escrevendo aqui e o meu coração está disparado! Sinto o quanto estou me sentindo afetada emocionalmente, mas hj com a consciência e aceitação dessas emoções, venho conseguindo realizar o que quero e/ou gostaria de fazer no dia e assim venho lidando com sentimentos tão difíceis para mim.

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    1. Boa noite, Márcia! Que bom que fizeram sentido para ti. Esses imperativos que nos distanciam do que a gente sente podem ser muito adoecedores. Fiquei pensando agora que, se a gente que trabalha com o cuidado, com a escuta de outras pessoas, ainda assim podemos ser invadidos e levados a entrar nessa roda viva sem ter muita consciência, é possível que muitas outras pessoas também possam estar sofrendo com essa dinâmica. Gratidão pelo retorno e partilha. Abração pra ti!

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  2. Parabéns pelo texto. Fico muito incomodada com as várias receitas que as pessoas têm de como viver e ser produtivo na quarentena, de ter opções de roteiros de conversa com a família, me pergunto como chegamos a esse ponto? As vezes estamos angustiados e precisamos acolher e entender esse sentimento. E me dói perceber que mesmo nesse momento global tão delicado há quem ainda se negue a sentir e a dizer o que se sente. São mistos de tantas emoções e sentimentos e cada um sente de uma forma, pq cada um vive de uma forma, são diferenças sociais, econômicas , emocionais, familiares... Não sentimos todxs da mesma forma e por isso mesmo não tem uma solução única, se é que esse termo cabe nesse contexto. Ler o seu texto é um alento. Muito obrigada.

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    1. Olá Alessandra. Gratidão pelo retorno. Essas receitas prontas muitas vezes não dão conta da complexidade de tantas realidades diferentes mesmo, né?!Como você mesma falou, elas podem inclusive abafar uma série de sentimentos que as pessoas podem calar por não conseguirem se encaixar em alguma dessas receitas.
      Espero que encontremos a nossa forma de passar por tudo isso que estamos passando e nos ajudarmos nesse processo.
      Abração

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